A Livraria: livro (Penelope Fitzgerald) vs. filme

Uma das coisas que mais amo fazer é ler um livro e, imediatamente após, assistir à sua adaptação em filme. Felizmente, foi possível fazer isso com A Livraria.

Seguindo a todo vapor o mês de março com leituras de obras escritas por mulheres, fiquei duplamente encantada com a oportunidade de ver um filme também dirigido por uma mulher! Mas vou trazer as informações técnicas ao final do post.

Comprei o livro “A Livraria”, de Penelope Fitzgerald no ano passado (2018). Eu nunca tinha ouvido falar da obra, mas um livro com tal título jamais passaria despercebido por mim. E desde que o vi, não pude simplesmente deixar de comprá-lo. Entretanto, por algum motivo que às vezes não somos capazes de entender ou explicar, o livro ficou meses parado na minha estante. Graças à minha proposta deliberada de ler somente mulheres neste mês, acabei tirando-lhe, enfim, de seu ócio.

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Para quem não sabe do que o livro (ou o filme) trata, além do fato de que deve existir uma livraria no meio de toda a história…

Eis a sinopse:

O livro que deu origem ao filme estrelado por Emily Mortimer, de A ilha do medo, e Patricia Clarkson, de House of cards. Florence Green, uma viúva de meia-idade, decide abrir uma livraria ― a única ― na pequena Hardborough, uma cidade costeira no interior da Inglaterra. Florence não esperava, contudo, que seu projeto pudesse transformar Hardborough em um campo de batalha: enquanto a influente e ambiciosa Violet Gamart, que tinha outros planos para a centenária casa que ela escolheu como sede, faz de Florence sua inimiga, a empreendedora também conquista um aliado na figura do excêntrico Sr. Brundish. Na história de Florence Green enfrentando a cortês mas implacável oposição local, vê-se a denúncia de uma estrutura de privilégios apoiada em invejas e crueldades, e, no microcosmo de Hardborough, Penelope Fitzgerald monta um cenário repleto de detalhes precisos e personagens atemporais.

Minhas impressões sobre o livro: 

O livro é aberto com uma espécie de carta do escritor David Nicholls a algum amigo seu, mas que é trazida no livro como uma “apresentação”. Em suma, nesta apresentação, o leitor terá uma boa ideia do que encontrará ao longo da leitura de “A Livraria”.

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Quando comecei a ler a carta de Nicholls, minha primeira reação foi chiar, descontente que ele estava compartilhando breves análises que eu esperava ser capaz de enxergar por conta própria, não entendendo por que a editora resolvera trazê-la no início do livro, como apresentação, e não ao final, como um anexo.

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Ao iniciar a leitura do romance propriamente dito, porém, percebi que a história passaria num primeiro relance, assim como a própria protagonista, Florence Green, “um tanto sem atrativos, vista de frente e de costas inteiramente”. E seria uma primeira impressão não apenas equivocada, mas completamente injusta, pois, se analisada com atenção, irá se perceber não meros atrativos, mas a sagacidade da escritora em abordar numa narrativa simples, as muitas formas de bem e mal, poder e influência.

Creio que a “apresentação”, no final das contas, acaba “preparando o terreno” para que o leitor não procure explicações que Fitzgerald não irá fornecer e para que não haja qualquer decepção nesse sentido ou expectativas frustradas.

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Essa foi uma leitura realmente boa, um dos livros mais tristes que já li em toda a minha vida, se me permitem dizer. Não triste desses que choramos porque a história é bela. É triste no pior sentido possível, ele consome qualquer centelha de esperança remanescente em mim.

Quanto mais me ponho a refletir sobre este livro, mais eu o aprecio. O livro, entretanto, levou 4 estrelas por mim, porque estranhei um pouco o ritmo da narrativa, que me pareceu se dar em saltos. Veja bem, é um livro bem curto, de apenas 160 páginas, e não é que de uma hora para outra passa-se muito tempo, mas há lacunas que não são preenchidas, imagino que pela forma “econômica” do próprio estilo de escrita da autora, característica que é apontada por Nicholls; estilo que não me agradou por completo. Mas é uma obra que vale a pena a leitura, sobretudo se somada ao filme. Ambas se complementam mutuamente, e a análise em conjunto só pode ser formidável!


Comparando livro e filme:

As atuações estão brilhantes. Eu já queria ver o filme desde que soube que Bill Nighy estava no filme como um dos personagens mais emblemáticos da trama, o Sr. Edmund Brundish. Acho-o simplesmente incrível! Um excelente ator! Como protagonista, temos Emily Mortimer como Florence Green e Patricia Clarkson como Violet Gamart.

Há leves alterações na adaptação, mas que ficaram muito boas. A menção a outras obras literárias da época retratada, que não Lolita, de Vladimir Nabokov, tais como As Crônicas Marcianas e Fahrenheit 451, ficou simplesmente fantástica (por mais que eu não as tenha lido, é sempre bom ver livros serem divulgados!). A livraria na Old House ficou muito mais linda do que a imagem que eu havia construído em minha cabeça, mas também talvez ajude o fato de que, no filme, a casa não seja mal assombrada. Além disso, eu sinceramente gosto mais da Christine do filme que do livro, mas gosto mais da Sra. Green do romance, que me pareceu mais assertiva. Christine é uma garotinha de 10 anos que a Sra. Green contrata como ajudante em sua livraria, quando as vendas estão indo bem. Christine não tem papas na língua, e deixa bem claro que quer ganhar dinheiro de alguma forma, nem que tenha que trabalhar numa livraria, por mais que odeie ler. Isso tanto no livro quanto no filme, mas neste último, Christine tem um papel mais honroso que de uma pequena mas pobre (leia-se débil) aliada.

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Primeira edição de Lolita – Foto: Wikipedia

O humor britânico que eu tanto amo passou um tanto incompreendido por mim no livro, mas que na adaptação teve sua interpretação da forma mais elegante possível – do jeito que eu esperava que fosse com o livro, quando Nicholls diz que o romance se trata de uma comédia social, embora nunca separável “de uma tristeza terrível”.

Ao fim, o que posso dizer conjuntamente é: se o livro nos rouba toda a esperança, esta se irradia na reta final do filme, e há um final deveras feliz, esperançoso. O livro não é positivo assim. Nesse ponto, gosto mais dele, porque me parece mais realista, mas amei o filme, porque, no final das contas, todos precisamos de esperança. Quanto a isso, porém, o Sr. Brundish me diria: “Que pensamento aterrorizante!”.


Informações adicionais sobre o livro:

Capa comum: 160 páginas

Editora: Bertrand Brasil; Edição: 1ª (22 de janeiro de 2018)

ISBN-10: 8528622827 – ISBN-13: 978-8528622829

Título original: The Bookshop


Informações adicionais sobre o filme:

Ano: 2017 (Brasil: 2018)

Duração: 1h55min

Direção e Roteiro: Isabel Coixet

Elenco: Emily Mortimer, Bill Nighy, Patricia Clarkson

Vencedor do Prêmio Goya (2018) de melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor diretor.

13 comentários

  1. Quando nos deparamos com algum livro que não tem aquele, tão esperado final feliz é um tanto decepcionante. Mas como você mesma observou é bem mais realista. Adorei a resenha! Espero um dia ter a oportunidade de ler este livro. ♥

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    1. Eu não sei se esperava um final feliz, eu só não esperava terminar o livro como eu terminei, gritando: “Que história horrível!” Hahaha. Horrível no bom sentido. Ela mexeu comigo. Como eu disse, minha esperança foi pisoteada.

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  2. Bem, vamos por partes.
    Não sei se eu já mencionei, mas além de todas as qualidades que eu já citei, seu blog é muito elegante. É simples, despretensioso, belo, inspirador, culto, curioso, informativo, instigante, adorável. Além de ser declaradamente meu blog favorito, é também o mais elegante para mim.

    Vou “falar” bastante, prepare-se… kkkk
    Uma vez li um livro e assisti à sua versão cinematográfica. Foi para uma aula de Ética e Deontologia na universidade, e a obra era “Carandiru”, de Dráuzio Varella. Peguei o livro emprestado na biblioteca da instituição, e depois aluguei o filme na locadora. O curioso é que consegui ler a obra e assistir ao filme no prazo de 24 horas. Eu mesmo me surpreendi, mas além de certa urgência para uma prova, a leitura corre rápida, o filme prende. O livro traz bem mais informações, estórias e detalhes em relação ao audiovisual, que teve atuações incríveis de Ailton Graça, Caio Blat, Milton Gonçalves, Lázaro Ramos e outros. Com destaque para Gero Camilo e a atuação magnífica de Rodrigo Santoro, que muito me impressionou.

    Vossa idéia de “ler e ver” me seduz, já estou pensando em colocá-la em prática. A temática do livro deste post, “A Livraria”, me interessa; essa triste constatação da natureza humana, realista e pura, sem o eufemístico apelo comercial da película (que me agrada também. Afinal, todos precisamos de um pouco de esperança ou ilusão para vivermos bem).

    As coisas acontecem emendando-se quando tomamos uma decisão e agimos. Você conseguiu ler um obra escrita por uma mulher e dirigida por outra, e que ainda lhe foi causa de apreço duplo e complementar. A vida não é mesmo uma graça?

    Ah, as fotos. Deixemos agora as luzes a “O Marido” (parece até nome de alguma obra). Todas as quatro fotografias estão ótimas e integradas à imagem física do livro, os detalhes, os ângulos. Os copos quadrados com velas, a caixa metálica (de chá inglês, estou quase certo).

    Devo destacar que a primeira imagem me chama em especial a atenção. A tomada de cima, a iluminação, o fundo, a xícara, o café e o suporte-base, o leque, a composição geral. As plantas tocando o livro, a sombra na capa. Um primor.

    Há pouco disso por aí. E ao constatá-lo, ainda que tacitamente, se distraído, cedo conscientemente razão a sr. Brundish. Que pensamento aterrorizante!

    Lindo post!

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    1. Poxa, Leonard. Eu, que gosto tanto de escrever, sempre fico sem palavras pros seus comentários. Agradeço muito os elogios, que são bastante frequentes, e gosto muito das suas considerações e divagações. É muito prazeroso conhecer os leitores do blog, e você se tornou um leitor assíduo, pelo qual também agradeço muito. As fotos desse post em específico não tiveram a participação d’O Marido (eu rio muito dissocrie as as vezes), mas foram todas feitas por mim, e talvez por isso tenham uma boa conexão com a escrita.
      Fico muito feliz que o Percursos Literários tenha se tornado seu blog favorito! É um reconhecimento de todo o trabalho e carinho que dedico à página e mostra que vale a pena o esforço!
      Obrigada!

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      1. Retifiquemos o comentário, portanto!

        “Escrito por uma mulher, dirigido por outra, e analisado e fotografado pela finíssima Isa Ueda”.

        Vocês dois são demais, ambos fotografam muito bem!

        Pensei que talvez tais considerações e divagações constituíssem-se incômoda perda de tempo, uma vez que costumam ser incomumente longas. Fico feliz por não sê-lo, afinal.

        Trabalho e carinho preenchem a tela quando se olha para seu blog.
        Parabéns e obrigado pelos tantos momentos inspiradores.

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  3. Fiz o percurso contrário ao seu. Antes de ler o livro vi o filme, mas os meus sentimentos e os seus são bastante próximos, inclusive o gosto pelos personagens no livro e no filme.
    Pela primeira vez gosto de um filme adaptado de um livro.
    Os dois contam a mesma história, com finais que nos apontam visões diferentes ao término, mas ambos são muito bons.

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  4. História maravilhosa! O filme é um primor .. as imagens do mar… a livraria … o detalhado olhar do Sr Brundish àquela que chegou um pouco tarde em sua vida, a despedida dos dois …. aquele toque de mãos …. a cena foi ótima… o pescoço dela mostrou um arrepio… incrível! Quanto ao livro, gostei muito… tinha que tê-lo em minha biblioteca. Fim melancólico, realista.

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