Aldeia dos Mortos – Adriana Vieira Lomar

Imagine uma história que é narrada por um feto. Agora, imagine também que esse feto deseja intervir em fatos externos e até passados que ocorreram à sua família. Essa é a premissa de “Aldeia dos Mortos”, livro de Adriana Vieira Lomar.

Estamos diante de um feto-narrador, que ao longo da narrativa descobrimos se tratar de uma menina, cuja expectativa de nascimento vem a somar-se a uma família já abastada de mulheres.

Embora a premissa e a voz narrativa advinda de alguém que ainda nem nasceu sejam por si sós bem chamativas e curiosas, sinceramente, não foram elas que para mim mais se destacaram ao longo da leitura, embora tenham sido os elementos que inicialmente me levaram a querer ler o livro.

Gosto muito de dramas familiares, e acredito que esse é um dos pontos altos de “Aldeia dos Mortos”, pois muitas tramas se formam ao longo da narrativa, mas todas tendo origem numa mesma família, ou ao menos circundando-a. O feto-narrador, assim que toma conhecimento de uma tragédia, deseja confortar a mãe alterando o curso da história. Para tanto, ele deixa de ser apenas narrador e torna-se também protagonista, porém com mais nuances de uma voz feminina. Esse recurso, aliás, é algo que achei muito interessante, porque modula a dúvida quanto ao sexo da criança esperada no ventre. É algo por qual toda gestante passa nos primeiros meses de expectativa, e encontrar uma forma de representar essa inflexão estabelece um pacto de consentimento entre narrador e leitor. O leitor aceita – ainda que não provável que um feto possa enxergar o mundo externo ao útero e nele interferir – que o narrador é um feto, e sua intervenção é plausível e esperada por ser também uma personagem protagonista, trajada de ação.

Para mover-se pelo mundo, o feto, dentro da barriga da mãe, sonha com uma aldeia, e transporta-se pelo espaço-tempo. Nessa aldeia, transmutada em personagem, ela é uma impermanência invisível, mas após lhe ser concedido o acesso, pode muito bem locomover-se livremente, tal como se nascida fosse. O lugar onde acaba por sempre frequentar é o casarão onde vive, pelo menos por um tempo, a família de sua avó (a Vó do Caco – personagem por quem mais me afeiçoei), e todos seus filhos, a maioria mulheres, sendo uma delas a própria mãe da protagonista.

Confuso que possa parecer a história, ainda mais pela vastidão de personagens na narrativa, aos poucos vamos nos acostumando, tal como tateia-se pelo escuro até habituar-se à falta de luz. Mas quem se sentir muito perdido, ao final do livro encontra-se uma lista de personagens de grande auxílio, e o melhor: ela não dá spoilers.

Há, ainda, uma dinamicidade da narrativa por conta das digressões temporais, que a princípio podem também parecer confuso, mas é um efeito muito bem trabalhado pela autora, porque não importa tanto saber em que tempo exato do passado se está, apenas ter noções gerais para entender o contexto. Um exemplo disso é o da ditadura militar no Brasil. Pistas são fornecidas, mas não há uma preocupação de engajamento, como bem lembrado no Posfácio de Elias Fajardo, pois este não é o propósito do livro. O propósito me parece ser o de conduzir o leitor por concepções de diferentes dimensões, texturas e sentidos, tudo através da narrativa, e de deixá-lo assistir ao entrelaçamento das tramas, mas ao mesmo tempo preencher com suas próprias interpretações, valores e crenças as lacunas deixadas. Em outras palavras, a leitura de “Aldeia dos Mortos” oferece a inegável experiência de que nunca duas pessoas leem o mesmo livro. Embora eu acredite que isso se dê com toda e qualquer leitura, é sempre meritoso quando um livro carrega esse intuito dentro de si.

E, chegando ao final de minhas considerações, gostaria de destacar ainda dois ingredientes do livro que me atraíram bastante: o nome dos capítulos, cuja maioria exibe um semblante poético que muito aguçou minha curiosidade pela leitura de cada um deles, e também o clima em si mesmo de suspense que a história vai ganhando ao longo de suas páginas. Toda leitura que prende o leitor por algum motivo é uma leitura que vale a pena. O livro não foi um favoritado, mas com certeza foi uma leitura muito proveitosa e que me deu mais ciência como leitora, não apenas pelas formas como eu preenchi as lacunas, mas porque foi realmente um livro bem diferente, que saiu bastante do óbvio para mim.

Agradeço à Valéria Martins da @oasyscultural por mais essa parceria e pelo envio do exemplar, e à escritora Adriana Vieira Lomar pelo carinho da dedicatória, e a quem passo agora a acompanhar também pelo Instagram: @adri_ana_vieiralomar.


Dados Técnicos do Livro:

Capa comum: 196 páginas

Autora: Adriana Vieira Lomar

Editora: Editora Patuá (2020)

ISBN-10: 8582978960 – ISBN-13: 978-8582978962

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