Este texto é um relato bem extenso, mas que se adequa bem ao verdadeiro propósito de um blog. Tentei organizar as ideias por categorias, para quem tiver interesse em alguma(s) dela(s) não precise ler o texto todo.
A grande verdade é que, mesmo tendo passado metade da nossa estadia aqui, adaptar leva tempo. Quando estivermos realmente adaptados, já será hora de voltar.
Falo isso porque foram muitas novidades para lidarmos aqui. Se estivéssemos só eu e João, talvez levasse menos tempo, claro, mas a experiência também teria sido completamente diferente, e nessa suposição, sabe-se lá se também teria surgido realmente a oportunidade de estarmos aqui.
Adaptação física:
Mas as maiores dificuldades de adaptação para nós três se deram principalmente devido às baixas temperaturas, porque chegamos no auge do inverno.

Acho que quem mais sentiu o impacto, visivelmente, fui eu, porque já passei por três herpes, em menos de três meses. Foi muito cansaço acumulado, físico e mental, e com temperaturas tão extremas ao qual meu corpo não estava acostumado, a imunidade deve ter baixado e o vírus pôde se manifestar.

Também sofri com alergias de contato e dermatites nas primeiras duas semanas. Se você precisar passar por um período longo assim onde faz muito frio, recomendo que invista nos tipos de jaquetas grossas impermeáveis que possuem uma espécie de alça de mochila no forro, para que, em ambientes internos e fechados, você possa andar confortavelmente, carregando a blusa, feito uma bolsa nos ombros. Vi pessoas usando modelos assim de casacões e invejei muito, mas não sei onde comprar. Porque na rua é preciso estar bem agasalhado, mas nos ambientes internos, climatizados, vai ser preciso tirar casacos (e, portanto, carregá-los).
Não é só o frio, claro, são todas as coisas que envolvem o frio. As mãos ficam muito ressecadas, porque as torneiras em geral têm água aquecida, que retira aquela camada protetora natural da nossa pele, então cremes de mão são imprescindíveis na bolsa/mochila. O mesmo se aplica ao rosto. Mesmo que você não lave o rosto todo o momento como as mãos, ele também sofre com a exposição ao frio, e hidratá-lo adequadamente antes de se expôr ao vento e às baixas temperaturas é altamente recomendado. Não se esqueça dos lábios, reaplicando protetor labial sempre que tomar alguma coisa ou escovar os dentes, por exemplo; e, se você, como eu, ainda faz uso de lentes de contato, também use lubrificantes para as lentes ao longo do dia.

E, claro, para sua saúde, mesmo que esteja frio, quando possível, tome um solzinho para estimular a produção de vitamina D, e não fique só em casa, para fugir da depressão de inverno, ou “winter blues”.

Adaptação linguística:
Eu e João temos um nível de inglês avançado, então para gente, essa parte foi bem tranquila, considerando que viemos para uma província que fala inglês e não francês.
Para o Naoki, no entanto, acho foi uma barreira maior, num primeiro momento. Levou um certo tempo até ele entender que TODO MUNDO aqui falava em inglês e que seria assim. Desde o começo eu prometi que sempre traduziria tudo para ele, para que ele sempre entendesse o que estivesse sendo dito e se sentisse incluído em conversas. A evolução nesse sentido se deu naturalmente, com a fantástica plasticidade dos cérebros de crianças, que aprendem tudo muito rápido. Mas ele também sempre ouviu muita música em inglês e até vídeos ele sempre assistiu a alguns em inglês, como os do Blippi, então a sonoridade em si não foi uma novidade e acho que ajudou bastante. Também lemos em inglês às vezes, mas só quando ele mesmo pede.

Adaptação cultural:
Em termos de interação, a adaptação cultural não foi um problema, porque, em geral, os canadenses são muito receptivos, educados, e pelo menos em Kingston, eles gostam muito de interagir. Naoki também não frequenta escolinha aqui, pela barreira idiomática, e até para evitar que ele ficasse doente com frequência, optamos por não colocá-lo numa escola, então não enfrentamos esse choque cultural também de saber como é a realidade com uma criança em daycare ou creches.
Em termos de culinária, porém, o repertório alimentar nosso, como família, está um pouco mais reduzido, porque temos dificuldade de encontrar alguns ingredientes ou produtos alimentícios aos quais estamos acostumados. Eu não tenho muito contratempo quando diz respeito a comida, exceto pela alergia ao glúten (que aqui não é um grande problema, porque existem muitas opções sem glúten), então tem sido tranquilo para mim, mas às vezes bate uma saudade das comidas brasileiras, que não têm por aqui. Encontrei receitas e ingredientes para adaptar algumas coisas, como o nosso querido pão de queijo (que saudade!), mas não ficam a mesma coisa.

O arroz com feijão à moda brasileira, aqui, também pode esquecer. Em cidades grandes como Toronto, você até encontra os ingredientes e inclusive restaurantes especializados, mas em Kingston, não. O feijão é enlatado e quase sempre adoçado. Encontrei uma marca cujos grãos lembram mais o sabor do nosso feijão carioca, mas eles são bem grandes. E quanto ao arroz, já havia tido a experiência frustrante com o basmati na Holanda, quando João morou lá por 6 meses e eu fui visitá-lo por um mês. Eu simplesmente não aprendi a fazer o basmati. Testei o jasmine também e gostei, mas João e Naoki não curtiram a textura. Aqui, já optamos de cara pelo sushi rice, porque, como descendentes de japoneses, estamos acostumados ao “gohan”. Mas é outra experiência, comer feijão com gohan.


Quanto ao meu filho, em geral, porém, acho que ele está se alimentando bem por estar fazendo todas as refeições com a gente e eu poder cuidar do que ele come. Ele come besteiras, sim, mas não são coisas que ele come todo dia, então acho que tudo bem. Acredito que reunir-se em torno da comida faz parte das memórias afetivas que a gente carrega para a vida, então, tendo equilíbrio, acho que até comidas não tão nutritivas são interessantes para construção dessa bagagem de memórias afetivas.
Acho também que é uma ótima oportunidade para experimentar comidas diferentes, principalmente frutas diferentes, que quase não temos no Brasil ou são muito caras e sazonais, como framboesas, morangos, blueberries, cranberries e amoras. No Canadá, há muitas culinárias de diversos países asiáticos, como japonesa, chinesa, vietnamita, coreana, tailandesa, indiana e outras. Eu, sinceramente, amo todas elas, então me dei bem.
Adaptação ao trabalho:
João está trabalhando junto ao departamento da Queen’s University, e ter toda a biblioteca deles acessível à sua disposição é, talvez, a parte mais interessante e estimulante. Falo por mim, claro.


Já eu tenho trabalhado de forma remota, o que eu já fazia no Brasil, então só foi mais desafiador porque lá Naoki frequentava a escola a maior parte do meu expediente, e aqui ele fica em casa quase que integralmente, com algum outro cuidador.
Uma coisa que eu fiz já de antemão foi providenciar no Pinterest e Instagram ideias de brincadeiras e atividades que pudessem ser feitas em casa, não apenas como entretenimento, mas até pra estimular algumas habilidades de coordenação que ele precisa ir ganhando até pela idade e porque ele retomará a escolinha quando voltar para o Brasil. Providenciei os materiais também já nas primeiras semanas aqui, recorrendo a uma Staples, e devo dizer que a criatividade anda a mil por aqui, da nossa parte, e do Naoki também.
Adaptação à casa e aos deslocamentos
A casa aqui é um sobrado, o que é novidade para nós. Eu cresci numa casa de dois andares, mas o andar de baixo era quintal e garagem, então não tinha essa mesma configuração que exige um subir e descer constante de escadas. João morou em apartamento e depois em casas térreas apenas, e bom, Naoki só morou em apartamento até então. Mas a maravilha do ser humano é se adaptar a tudo, né? Naoki nesse meio-tempo até já aprendeu a subir e descer escadas, o que antes ele tinha insegurança. Claro que ele nunca sobe nem desce desacompanhado.

O estranho mesmo foi se adaptar às coletas de lixo, que cada semana recolhe um tipo diferente de recicláveis, então precisamos ler o manual que a prefeitura disponibiliza para entender o que vai em qual tipo de lixo, e não esquecer de colocá-los para fora já na noite anterior, porque os caminhões de coleta começam a passar cedo nas ruas (às 06:00 da manhã).

Quanto aos deslocamentos, a cidade é bastante plana e bem voltada para os pedestres, dá pra fazer bastante coisa a pé (desde que a neve e o gelo não atrapalhem), para quem mora no centro. Mas ela é também espalhada, como muitas cidades dos EUA que eu me lembre.

Porém, a insegurança de dirigir com neve e gelo fez a gente ficar mais reclusos em casa do que eu gostaria, então no começo andávamos mais de ônibus e acabava sendo muito cansativo para o Naoki, que quase sempre fazia o cochilo do dia no trajeto do transporte público. Quando pegamos mais segurança em dirigir (o João, no caso, porque eu não quis dirigir até agora), passamos a sair mais e até ter dias fixos para irmos ao mercado, desenvolvendo uma verdadeira rotina por aqui, e as coisas foram ficando melhores.
A única coisa que não vemos a hora de acontecer é de poder simplesmente sair de casa com a roupa que já estamos, sem precisar colocar camadas e acessórios de frio. Porque esse preparo, com criança, especialmente, acaba atrasando todas as saídas de casa em pelo menos uns 20 minutos.
Outras adaptações:
Custo de vida: Só não digo que estranhamos os preços porque imaginávamos que as coisas fossem caras, principalmente comida e moradia, mas ainda assim, eu havia feito uma planilha de previsão de gastos, e os valores que eu havia estimado ficaram muito abaixo dos gastos reais.
Fuso horário: Mal nos adaptamos ao fuso horário (de 2 horas a menos em relação a Brasília, quando é verão no Brasil), e então veio o horário de verão deles (que começa na primavera). O lado bom foi que apesar do sol continuar nascendo tarde, ele passou a se pôr bem mais tarde, deixando os dias mais longos e Naoki podendo aproveitar mais o parquinho.
Passeios gratuitos: Ah sim, falando em parquinho, acho que aqui as opções de passeios gratuitos são muitas, mas mais por conta da sensação de segurança aqui ser maior. Embora seja bom sempre ficar alerta, fico bem mais tranquila de ficar no parquinho com meu filho aqui que no Brasil.
Entregas do correio e deliveries em geral: Até por causa da segurança ser maior aqui, estranhamos muito de as cartas, pacotes de transportadora e afins serem simplesmente deixados na frente da porta da casa, sendo que aqui as casas nem muros têm. No máximo elas têm um cercado na parte de trás, mas mais para privacidade de um eventual churrasco em família do que por questão de segurança.
Tem alguma parte da adaptação que você ficou curioso e achou que faltou eu pontuar aqui, ou, mesmo do que falei, tem algo que gostaria de saber mais detalhado? Deixe nos comentários.
Acho muito interessante essa experiência! Eu sempre quis morar no estrangeiro. Já viajei bastante para outros países, mas não tive e nem criei uma oportunidade para morar. Quem sabe ainda faça isso.
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