A Geração Ansiosa – Jonathan Haidt, e como sua leitura me impactou

Recentemente terminei a leitura de “A Geração Ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais”, mas já enquanto lia, minha relação com meu smartphone foi mudando.

Eu lembro que estava no Canadá quando já havia notícias sobre o lançamento deste livro no Brasil, e seu título chamou muito minha atenção, porque, ao menos de minha parte, sempre houve uma grande preocupação com meu filho para que ele seja mentalmente saudável. Tendo um marido que toma remédios para ansiedade e também cuja irmã toma medicamentos para outros transtornos mentais, é natural para mim pensar que meu filho tenha uma propensão maior a também desenvolvê-los. Assim, é um assunto que me interessa muito saber sempre mais a respeito. E o livro tinha esse “quê” a mais. Não era somente um livro sobre uma geração ansiosa, e sim um que focava no vício em telas hiperconectadas, ou seja, smartphones, pra resumir bem.


O paradoxo

Li o livro enquanto a vida corrida de uma pessoa que, assim como muitas outras, atualmente, é sempre conectada. Mantive contato com meus irmãos, que moram em outro Estado, e agradeci pela tecnologia que hoje possibilita nos manter próximos mesmo à distância; abri uma lojinha online para poder ter um pouco de renda extra ao mesmo tempo em que vou abrindo espaço em casa para coisas novas, fases novas; não deletei nenhuma conta nas mídias sociais, na verdade, até recentemente abri uma nova, onde acredito que possa exercer uma atividade que me dá bastante prazer (a escrita). Mas algumas coisas foram mudando ao longo da leitura. Listei algumas delas ao fim do post.


Minhas impressões sobre o livro:

O que o livro faz é justamente dar muitas informações, coletadas inicialmente visando a escrita de um outro livro, sobre outro assunto, mas cujos dados, quando foram se mostrando diante do autor, fez ele entender que havia ali uma urgência maior a ser abordada, que é justamente o aumento de transtornos mentais (como ansiedade e depressão) nas gerações que já cresceram no que ele chama de “declínio da infância baseada no brincar” e cada vez mais “baseada no celular”.

Não concordo com tudo que está no livro, e o autor inclusive aponta que alguns dados são correlacionais e não, de fato, causa e efeito. Porém, não li o material extra que ele vem atualizando online, sobre opiniões que podem ter mudado de lá para cá (mas me inscrevi em sua página After Babel). Mesmo assim, foi uma leitura que achei excelente. Enxergo o ponto e a preocupação dele como legítimas. Acredito, até, que existam desafios maiores a serem enfrentados, que não apenas combater a conexão exacerbada dos jovens ao mundo online, com suas redes sociais, jogos online e pornografia. Há toda uma cultura para se lutar contra, e não é apenas uma política de retirada de smartphones de crianças e adolescentes nas escolas que resolveria. Mas temos de começar de algum lugar, e de forma urgente, e vejo as medidas propostas por ele como as mais fáceis de implementar, tanto pelo baixo custo quanto pela eficiência em se obter resultados positivos.

Dos pontos que discordo, porém, acredito que exista um desafio maior na educação dos meninos que precisa ser trabalhada concomitantemente à preocupação com a educação baseada no celular, porque também existe a questão cultural de se permitir que meninos corram mais riscos e tenham atividades mais perigosas que as meninas, o que acaba por reforçar outros problemas, como o estereótipo de que homens podem ser violentos, mas meninas devem saber se comportar. Tais crenças só degringolam para a cultura do estupro, por exemplo, e tornam a questão do brincar um pouco mais complexa, e, por isso, recomendo, nesse sentido, também a leitura de “Educar meninos não é frescura: reflexões sobre gênero para famílias e educadores.

Mas, claro que concordo com o ponto principal do livro, de como a infância baseada no celular (smartphone e tudo que vem ligado a ele) tem prejudicado toda uma geração. Resumidamente, deve-se entender que a interação social é importantíssima, e que o tempo de tela das crianças tem roubado o tempo delas brincarem juntas, entre si, e de como esse tempo roubado tem afetado negativamente as crianças ao longo do seu desenvolvimento, inclusive na fase adulta. Passamos 6 meses com nosso filho longe da escola, por questões também financeiras, quando ficamos no Canadá, e embora ele tenha, neste período, tido um desenvolvimento social surpreendente, fico sempre imaginando quão mais rico poderia ter sido seu ganho social se tivesse podido frequentar a escola neste mesmo intervalo. Aqui entramos na chamada da “perda de uma oportunidade”. Todo tempo em que não está havendo interação social em detrimento de tempo de tela, há uma perda para a criança. E não é só a tela em si, é tudo o que está por trás dela e são subestimadas pelos pais. Mídias sociais, jogos online, pornografia são os grandes vilões. O autor fala de como há uma superproteção no mundo real e uma subproteção no mundo virtual.

“Ainda que o conteúdo desses sites pudesse ser filtrado com o intuito de remover material prejudicial, o design viciante dessas plataformas reduz o tempo disponível para o brincar cara a cara no mundo real, a tal ponto que podemos nos referir a smartphones e tablets como inibidores de experiências nas mãos das crianças”.

“As redes sociais são, portanto, a máquina de conformidade mais eficaz já inventada. Elas podem definir o modelo mental do que é um comportamento aceitável para um adolescente em questão de horas, enquanto os pais talvez gastem anos em tentativas infrutíferas de fazer os filhos se sentarem direito ou pararem de choramingar”.


“Qualquer criança que vivencie seu período sensível como usuária massiva de redes sociais será moldada pela cultura delas”.

Fico seriamente preocupada com quem meu filho virá a se tornar, já que hoje existem muito mais distrações, basta tirar um aparelho do bolso, e pronto, a pessoa pode estar num lugar fisicamente, mas mentalmente, em outro, completamente diferente, e, portanto, completamente alheio às coisas à sua volta. Então, ainda que alguns dados e análises do livro sejam correlacionais (não todos), mesmo eles me parecem convincentes o suficiente para que a gente, principalmente como pais e educadores, reflita e tenha melhores ferramentas para decidir o que é melhor para o bom e saudável desenvolvimento das crianças e adolescentes, em termos físicos e mentais.

Concordo também com o autor de que o exemplo tem que vir de cima, ou seja, com os adultos (pais, sobretudo), se policiando mais também para não recorrem a seus smartphones desde a hora que acordam até a hora em que vão se deitar, por isso, deixei essa lista abaixo, com o que tenho feito em casa para tornar minha relação com o celular mais saudável, e tentando melhorar sempre, para ser um bom exemplo para meu filho.


Coisas que eu tenho feito em casa e sentido resultados positivos (que refletem no aumento de interesse no brincar livre do meu filho, mas também em mim mesma):

  • A hora antes de dormir é sem celular. Nada de ficar dando uma conferida nas muitas notificações do celular enquanto seu filho brinca no quarto antes de dormir. Hoje em dia, muitas mães e pais só têm essa hora para curtir os filhos durante a semana de trabalho. Lembre-se de fazer valer cada segundo e ESTEJA presente pra eles. Em casa, como sou eu que fico à noite com meu filho, damos preferência na cama para ler, desenhar ou brincar. Trecho para refletir:

“Ser ignorado é doloroso em qualquer idade. Agora imagine ser um adolescente e tentar descobrir quem você realmente é e onde se encaixa enquanto todo mundo te diz, indiretamente: “Você não é tão importante quanto as pessoas no meu telefone”. E agora imagine ser uma criança. Em uma pesquisa de 2014 conduzida pela revista Highlights com crianças de 6 a 12 anos, 62% delas relataram que seus pais “com frequência” estavam “distraídos” quando falavam com eles. Quando lhes perguntaram o motivo da distração, o celular foi a principal resposta. E os pais sabem que estão ignorando seus filhos”.

  • Configurar um limite de tempo para uso de redes sociais. Eu deixei 1h30min por dia. Se você acha que não sabe para onde seu tempo vai no dia a dia corrido, experimente também colocar um limite de tempo nos aplicativos que permitem tal configuração (Instagram é um deles – fica a dica) e surpreenda-se (ou não) vendo quantas horas passa por dia só rolando a tela do celular. É lembrar também aquela famosa frase: “se você não está pagando pelo produto, você é o produto”. Trecho para refletir:

“Todas as plataformas orientadas para o visual usaram o modelo de negócios desenvolvido pelo Facebook: aumentar ao máximo o tempo passado na plataforma com o intuito de aumentar ao máximo a obtenção de dados e receita por usuário gerada para os anunciantes.”

  • Ouvir mais músicas (música e não podcast, para não cair também na neura da positividade tóxica) em vez de consumir apenas vídeos. Se você não sabe qual estilo de música lhe agrada mais escutar, é uma ótima oportunidade para descobrir. Tenho a sorte de ter um filho que gosta muito de música desde que estava na minha barriga. Lembro de ele reagir mexendo-se bastante quando eu colocava músicas para tocar. E então, hoje, uma atividade prazerosa em família é ouvir música e cantar. Meu marido também às vezes toca violão junto, e tudo fica ainda mais divertido e gostoso. Trecho para refletir:

“Todo mundo sabe que seus melhores amigos podem afetar seu humor. Mas você sabia que o humor dos amigos dos seus amigos também pode fazer isso? […] Assim, eles descobriram que a felicidade tende a atrair a felicidade. E não apenas porque pessoas felizes procuram pessoas felizes. Na verdade, quando uma pessoa fica mais feliz, isso aumenta a probabilidade de que seus amigos fiquem mais felizes também. O surpreendente foi que também houve influência sobre a felicidade dos amigos dos amigos, e às vezes, até sobre a felicidade dos amigos dos amigos dos amigos. A felicidade é contagiosa, ela se espalha por nossas redes de relações.”

  • Passei a usar o tempo livre para ler livros físicos. Eu leio muito no celular, ok? Mas tenho evitado fazer isso em momentos em que meu filho está em casa, mesmo dormindo. Como disse, acredito e concordo que o exemplo tem de vir de cima. Não adianta falar pro meu filho que chega de ver vídeo no celular, se todo tempo de bobeira meu ele me flagrar ao celular. Então ele me pega lendo livros, em vez disso, e tem sido muito bom por dois aspectos: voltei a conseguir ler mais, de um modo geral, e porque isso rende conversas ótimas, com ele me perguntando o que eu estou lendo, e quando o livro é novo, “de onde veio esse livro?”.
  • Deixar o celular sempre fora do meu alcance quando não preciso dele. Vamos lá, gente. Precisamos mesmo ficar o tempo todo com o celular nas mãos? Eu, assim como quase todo mundo que conheço, deixo o celular mutado – isso mesmo, sem som, sem vibracall. Quando estou esperando alguma ligação urgente é o único momento em que tiro ele do silencioso, e muitas vezes fico por horas sem verificar meu celular – para talvez o desespero do meu marido. Mas é isso, se estou com meu filho, tento lhe dar atenção plena, e deixo o celular longe, em outro cômodo ou pelo menos num lugar que eu tenha de me levantar e ir buscá-lo, para não cair na velha tentação de “só dar uma olhadinha”.
  • Pressionar pelas mudanças a nível que extrapolem o ambiente de casa. Claro que é impossível haver mudanças significativas na saúde de toda uma geração se as famílias, isoladamente, recorrerem a formas de combater a infância baseada no celular, e daí também o autor enfatizar medidas que envolvem a sociedade e o governo. Se houver (e houve), por exemplo, petições públicas, pesquisas públicas, abaixo-assinados visando medidas que favoreçam a diminuição de uso de smartphones por crianças e adolescentes, estude, assine, participe, divulgue, manifeste-se, pressione. Não só para proibir celulares das escolas, por exemplo, mas para que haja maior investimento em parques e ambientes voltados para o brincar das crianças ao ar livre.

Como é a relação de vocês com o celular? Quem sabe na posse de valiosas informações como as do livro A geração ansiosa, não encontremos formas mais saudáveis de usar os smartphones e possamos cuidar melhor das gerações que agora estão atravessando a infância e a adolescência? É um desejo muito forte meu, e por isso trouxe essa recomendação de leitura. É o mínimo que eu poderia fazer.


Dados Técnicos do Livro:
  • E-book para Kindle: 532 páginas
  • Autor: Jonathan Haidt
  • Editora: ‎Companhia das Letras; 1ª edição (12 julho 2024)
  • ASIN: ‎B0D2RBQZML
  • Tamanho do arquivo: ‎24045 KB

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