A capa da edição brasileira de “A história que nunca contei” talvez passe a impressão errada. Mas uma reflexão sobre a escolha dos elementos gráficos da folha de guarda dá pistas ao leitor atento de que esta não é uma história puramente fofa. Afinal, num livro, todo o projeto gráfico quer comunicar algo. O livro, portanto, carrega uma história pesada, mas talvez seja amenizada pela narração de Della, uma garota de 10 anos. Della, com sua sinceridade e espontaneidade, consegue prender o leitor em sua narrativa, que contém ao mesmo tempo elementos fofos e duros. De todos os livros de Kimberly Brubaker Bradley publicados no Brasil pela Darkside, esse foi o que achei mais pesado.

Sinopse e impressões da leitura:
Della é a irmã mais nova de Suki. Ambas já passaram por muitas situações nessa vida, a começar pelo fato de que a mãe delas está presa, bem longe, e que elas viviam com o ex-namorado da mãe, que não detinha a guarda legal das meninas e muito menos as qualidades para se tornar um candidato a tanto.
Depois de um episódio traumático, que vai se revelando ao longo da história, as meninas são levadas a um lar de acolhimento, e então as coisas parecem ir se ajeitando, mas algumas feridas são mais profundas do que aparentam.
Eu gosto de como a história tem esse olhar um pouco ingênuo de uma criança, mas que, com palavras muito sinceras e sem rodeios, revelam muita informação e até fazendo soar alarmes internos nos leitores, avisando que alguma coisa está errada.
A leitura é muito fluida e, dependendo do momento, até mesmo muito divertida. Mas como disse, há partes sombrias no livro. Acredito, porém, que o foco esteja justamente em mostrar ao leitor a coragem de usar a própria voz para impedir que injustiças prevaleçam.

Me parece um livro interessante de ser levado a determinados públicos, sobretudo jovens e de profissionais da área de assistência social e/ou psicologia, mas ele contém *gatilho de abuso sexual*, e talvez outros, que devem ser cuidadosamente analisados.
É uma história emocionante, que me deixou em muitos momentos com lágrimas nos olhos e o coração pesado. Mas senti, ao mesmo tempo, uma carga de esperança muito forte, porque nos lembra do poder das amizades e de como vínculos fortalecidos e verdadeiramente afetivos vêm a se tornar uma família.
O livro, que visa o público juvenil, também me fez refletir algo importante. Vivemos num mundo consumista, que prega utilidade e produtividade até nos momentos de lazer. Leituras de não-ficção são tidas como produtivas e vistas como investimento, em detrimento da literatura fictícia, mas essa, até mesmo a infantil e juvenil, têm um poder enorme de transformação. A literatura pode abrir horizontes e mostrar para seus leitores que alguns de seus sentimentos não são únicos, mas sim enfrentados por muitas outras pessoas. Encontrar ressonância em vozes diversas, ainda que fictícias é uma oferta de espaço de pertencimento e de transformação, como gosto de deixar em evidência no cabeçalho do blog.
Espero que esse livro consiga transformar positivamente a vida de muitas pessoas que passam por crueldades como Della e Suki, e inspirem-nas a encontrar formas de recomeçar.
Dados Técnicos do Livro:
- Capa dura : 240 páginas
- Editora: Darkside; 1ª edição (04 de agosto de 2022)
- Autora: Kimberly Brubaker Bradley
- Título Original: “Fighting words”
- Tradução: Mariana Serpa
- ISBN-10: 6555981822 – ISBN-13: 978-6555981827