Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã – Gabrielle Zevin

E então a existência deste livro chegou ao meu conhecimento porque alguns autores que eu gosto estavam elogiando-o muito, citando-o como um dos melhores livros, senão o melhor livro, que haviam lido no ano. Fredrik Backman foi um deles, e é óbvio que eu precisava conferir o que havia de tão especial nessa história, já que era uma indicação que vinha de alguém cujo trabalho prestigio muito.

O maior incentivo que tive para lê-lo, no entanto, foi que ele finalmente foi selecionado para uma leitura coletiva do Clube Namanita, do qual sou um humilde membro. O livro, afinal, é um pequeno calhamaço, que eu tive uma certa resistência em iniciar, e achei que lendo com mais gente, se o percurso estivesse sendo um pouco desafiador, eu me sentiria mais instigada. A verdade é que nada disso foi necessário; não que eu esteja subestimando o poder de uma leitura coletiva. Elas continuam sendo a melhor forma de encarar uma leitura longa. Mas acontece que eu achei que com toda essa nova experiência de estar morando fora, e concomitantemente voltando ao trabalho no mês de fevereiro, ainda que de forma remota, que eu não iria conseguir ler tanto, então queimei a largada. O Clube iniciou a leitura no dia 1º, enquanto eu comecei após meados de janeiro, no dia 19, e para minha surpresa, terminei antes mesmo de o mês virar. A razão é bem simples: é dificílimo largar o livro. Houve noites que a madrugada nos alcançou (eu e o livro) e nem percebia, e mesmo quando percebia, por mais tarde que fosse, eu queria ler “só mais um pouquinho”.


Minhas impressões sobre o livro:

Resumindo rapidamente do que se trata o livro, temos dois amigos, Sadie e Sam, que se conhecem num hospital e cuja amizade é estreitada por, e sempre girando em torno de, uma paixão em comum: os games. Vídeo games.

É verdade que quem não curte ou não conhece tantos games assim pode não experimentar a leitura da mesma forma que alguém que irá pegar todas as referências, mas não acho que isso faça da história algo não identificável. Todo mundo tem alguma paixão, ou já teve uma em alguma fase da vida, sobretudo na infância, onde as amizades são mais facilmente feitas, e geralmente por causa de uma paixão em comum. Pense em boy bands que curtia, ou quem sabe um time de futebol. Não importa. É uma amizade que nasce de forma genuína porque parece que alguém finalmente te entende. No livro porém, o que começa como algo genuíno acaba se transformando, aos olhos dos outros, em um mero ato de solidariedade, e então há um rompimento. Esse ressentimento parece durar anos, mas é a mesma paixão que os unirá novamente.

Dá para perceber que se trata de uma história em que iremos acompanhar o crescimento e desenvolvimento dos personagens, ou seja, trata-se de um romance de formação. Como o mundo não pode ser feito apenas de duas pessoas, claro que outras figuras surgirão. Algumas amáveis, algumas detestáveis, mas elas moldam de muitas formas a vida de ambos os personagens, e é muito interessante acompanhar tudo isso, porque Zevin constrói todo o entorno de forma magistral. O leitor pode não gostar de nenhum dos personagens num dado momento, e nem por isso quer largar o livro. Torcemos para que aquela seja apenas uma fase ruim e que cada um encontrará sua redenção; se ela virá ou não, na verdade, não importa. O drama está lançado, lágrimas virão.

Da minha parte, devo dizer que as referências a muitos games não passaram sem um prévio conhecimento. Eu não fui uma criança ou adolescente gamer, mas sou da geração que viveu a infância e adolescência na década de 90 e meu irmão era um grande fã de video games. Assisti-lo jogando era algo corriqueiro (e prazeroso, porque ele sempre teve muita facilidade com os jogos), e é a quem devo boa parte da maravilhosa experiência que foi ler este livro. Tudo isso deve ter despertado em mim uma nostalgia num grau muito maior do que talvez alguns leitores consigam extrair do livro. Mas como eu disse, conhecer os nomes dos jogos, de personagens não é fundamental. Eu não sabia sempre de qual jogo estavam falando, e nem por isso deixou de ser uma boa leitura. Há muitas outras referências, a maioria delas ligadas à literatura, à dramaturgia e às artes.

“Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã” é um livro para apaixonados pelo processo criativo, sobretudo para pessoas que lidam com isso diretamente, como um recurso, como uma ferramenta de trabalho. É dessas histórias inspiradoras, onde vemos os personagens apaixonados por suas próprias obras, e por vezes também frustrados. Nos apaixonamos com eles, e também nos frustramos juntos, ainda que em diferentes graus. E sentir tudo isso ao longo da leitura acaba sendo uma grande jornada de autorreflexão de nossas vidas, que me parece o maior mérito do livro: conseguir, mesmo numa realidade de trabalho e de vida muito diferente da minha, me fazer enveredar pelos muitos caminhos da vida e ver como as coisas talvez sejam do jeito que teriam de ser, mas também que a vida permite muito mais recomeços do que costumamos acreditar.

Foto – Divulgação

“Lembre-se sempre, minha Sadie: a vida é muito longa, até não ser mais.”

“E isso é verdade em qualquer jogo: ele só pode existir no momento em que está sendo jogado. É como ser ator. No final, tudo que podemos conhecer é o que aconteceu, no único mundo que conhecemos.”

“Não é uma tristeza, mas uma alegria, a gente não fazer as mesmas coisas durante toda a vida.”

Também é um livro sobre amor e amizades, e somos, durante sua leitura, muitas vezes levados a pensar como muitas rupturas se dão por desentendimentos bobos, porque, simplesmente, cada pessoa tem sua forma de enxergar o mundo. Talvez uns odeiem mais um ou outro personagem por discordar da forma como ele(s) encara(m) os acontecimentos da vida, mas o fato é que é difícil não se colocar no lugar deles em algum momento; afinal, é para isso que serve a literatura também, certo?

Eu só posso recomendar demais este livro e torcer para que, de alguma forma, ele toque outras pessoas como me tocou, saindo da superfície que parece ser o mundo “gamer” e adentrando muitos outros aspectos de suas vidas.

Por fim, obrigada, Leo, por ter tornado essa uma jornada tão especial. As muitas horas acompanhando-o, ainda que um pouco entediada, jogar video games não foram desperdiçadas, nem por você, e nem por mim.


Dados Técnicos do livro:
  • E-book para Kindle: ‎531 páginas
  • Autora: Gabrielle Zevin
  • Editora: ‎Rocco Digital; 1ª edição (30 setembro 2022)
  • ASIN: ‎B0B9ZNFLHP
  • Tamanho do arquivo: ‎ 3115 KB
  • Título Original: Tomorrow, tomorrow and tomorrow
  • Tradução: Carol Christo

*Foto de capa meramente ilustrativa, de uma edição fotografada numa livraria. A edição que eu li foi no Kindle, com os dados acima.

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