O ano em que morri em Nova York – Milly Lacombe

O ano em que morri em Nova York foi como eu imaginava que seria. Uma história de imersão, daquelas talvez mais assustadoras, mais corajosas, e mais gratificantes: o mergulho dentro de si. Com um título desses, eu nem poderia esperar nada diferente, e me estranha que essa expectativa não seja natural para alguns. Como alguém morre e vive pra contar a própria história? Só quando se deixa uma versão sua para trás, e como uma fênix, se reergue das próprias cinzas. Mas esse percurso só pode existir quando se volta o olhar pra dentro.

Acostumada que estava aos textos curtos de colunas na UOL, foi uma enorme satisfação poder ver a escrita de Milly Lacombe em novos terrenos pra mim. Adorei acompanhar esse romance, inegavelmente autobiográfico, que traz o amor entre as mulheres.

É a história de uma protagonista cujo nome permanece do começo ao fim em anonimato, mas cujas mulheres à volta todas têm nome, e as conhecemos intimamente, pelos olhos da narradora.

A vida que parecia bela, depois de um longo relacionamento, começa a ruir. Primeiro, nossa narradora-personagem procura culpados e sente-se traída, e a dúvida sobre se houve ou não traição paira no ar. Num segundo momento, a vida precisa seguir, e como a protagonista supera esse rompimento é o grande foco do livro.

Uma leitura que me envolveu, me fez rir e chorar, e, claro, me fez também olhar para dentro de mim mesma. Por que, afinal, quem nunca morreu de amor?

É um livro para ser saboreado, que agrada os que curtem livros que levam a uma jornada de introspecção, mas que pode ser desafiadora (ou simplesmente enfadonha) para quem insiste em rotular esse tipo de travessia como “autoajuda disfarçada de romance”. Para quem o rótulo se faz necessário e cabível, acho que a maior reflexão que se extrai do livro é a arrogância de muitas vezes taxar tudo sob categorias que parecem estar aquém do nosso intelecto.

“Como era possível ficar tanto tempo sem respirar e, ainda assim, sobreviver? As plantas sabiam que aquele encharcamento passaria e elas voltariam a ver o sol? Havia naquela floresta uma inteligência que faltava em mim?

Tive também o grande prazer de durante esta leitura, ser flagrada algumas vezes pelo meu filho de apenas 4 anos lendo ou encontrando o livro em algum canto pela casa (geralmente ao sofá). E que delícia a curiosidade dele em saber sobre o que eu estava lendo. Num determinado momento, a protagonista falava de um artista, cujo nome já havia ouvido falar, e respondi exatamente isso, que eu havia lido no livro sobre um artista chamado Edward Hopper e sobre a constante presença de janelas em sua obra. Meu filho, então, disse que queria ver as obras de Hopper, e pusemo-nos a procurar juntos por suas obras. Cada um de nós elegeu uma obra que gostamos mais, e foi uma experiência muito rica, que só foi possível porque essa leitura aconteceu. Esse tipo de ocorrência com certeza interfere no nosso olhar sobre determinado livro, e, portanto, entendo perfeitamente que cada leitura é única para cada leitor.

Adorei a leitura, e, embora não a tenha favoritado, vou carregá-la comigo por todos os aprendizados e experiências proporcionados.

No mais, essa edição, pra mim, é infinitamente mais linda que a primeira, e o mérito é de Maria Júlia Rêgo.


Dados Técnicos do Livro:
  • Capa comum: ‎256 páginas
  • Autora: ‎Milly Lacombe
  • Editora: ‎Planeta; 2ª edição (15 fevereiro 2023)
  • ISBN-10: ‎8542220080 – ISBN-13: ‎978-8542220087

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