Depois da minha experiência (ruim) com Pessoas Normais, eu achava sinceramente que nunca mais leria Sally Rooney. Confesso que Belo mundo, onde você está me parece um título intrigante. Mas deixei para lá na época, porque não gostaria de me irritar de novo aguardando o intrigante que provavelmente nunca chegaria.
Mas então veio Intermezzo, e novamente, um burburinho nada desprezível em torno dele. Tanta gente que eu curto acompanhar falando dele com tanto frisson… Parte de mim, porém, se perguntava se não seria só uma hype que não era pra mim.
Encurtando minha indecisão, como podem notar, eu li o livro. E foi maravilhoso. Eu amei. Perdoei Sally Rooney pelo que ela me fez passar de raiva com Pessoas Normais e entendi finalmente o que tanto as pessoas curtem nos livros dela. Mas como já havia dito na resenha de Pessoas Normais, a escrita de Rooney é o ponto alto para mim. Em Intermezzo, muitos elementos que me incomodaram no outro livro deixaram de ser um empecilho, porque, ainda que tenham existido em maior ou menor grau, não eram o foco da história. Foi assim até que eu entendi o que tanto me irritou lá na primeira leitura de Rooney. Eu sentia que meu tempo estava sendo empatado porque os personagens não conseguiam dizer o que eu, muito comodamente vendo tudo de fora, achava que tinham de dizer um ao outro. Sentia que eles perdiam tempo não conseguindo se encontrar. A relação dos personagens era sofrida para mim lá. Mas não em Intermezzo.
Em Intermezzo, temos a relação complicada entre os irmãos Peter e Ivan. Peter é bem mais velho que Ivan (cerca de 10 anos). Ele é um advogado com um grande talento para debates e se move de forma hábil socialmente; Ivan acabou de terminar a faculdade, é um excelente jogador de xadrez (nas palavras de Peter, um “gênio do xadrez”), e tido como alguém bem menos habilidoso socialmente (na perspectiva de Peter também). Porém, ambos estão de luto pela perda recente do pai. É nesse cenário que a história se desenrola, alternando capítulos de Peter e de Ivan.
Tendo recentemente lido outro livro que traz o luto entre irmãos (As irmãs Blue), consigo fazer um comparativo e dizer que gostei mais de Intermezzo porque tenho irmãos e não irmãs, o que criou uma maior identificação com os personagens, muito embora não exista uma irmã em Intermezzo. Para mim, a dinâmica entre Ivan e Peter foi simplesmente muito mais familiar. Isso pode ter sido decisivo para me prender à leitura, já que foi o tipo de relação explorada no livro me agradou. Em Pessoas Normais, havia o foco na relação amorosa, mas era uma relação com a qual eu não consegui me identificar.
Muita gente, porém, não curtiu Intermezzo por conta do fluxo de consciência na narrativa de Rooney. Eu confesso que não me lembro dessa característica ter sido tão forte em Pessoas Normais. Mas eu, em geral, gosto muito dessa técnica. Eu sinto que consigo entender bem mais os personagens quando a narrativa se vale do fluxo de consciência, desde que bem empregado, claro; que é o caso de Rooney. Ela tem um domínio excelente da escrita, e torna claros para o leitor traços da personalidade de Ivan e de Peter através daquilo que passa por suas cabeças, enquanto tudo ao redor deles efetivamente se desdobra.
O primeiro capítulo é de Peter, e é um pouco confuso para quem não curte já ser, logo de cara, jogado assim numa torrente de pensamentos, diálogos e narrativa que se misturam, sem indicação do que está sendo dito, o que sendo apenas pensado. Mas a estranheza, para mim, durou apenas nesse capítulo. Logo que entendi essa mecânica, a história fluiu bem. E, para mostrar como a cabeça de Peter é confusa, na sequência vem o capítulo de Ivan, e tudo se torna tão claro que o leitor já começa a eleger seu irmão favorito.
No final, porém, sem spoilers, acredito ser possível se afeiçoar por ambos. A história em si é pacata, sem grandes acontecimentos, só a relação dos dois irmãos se desenvolvendo em meio ao luto, cada um com suas questões. Não tem um final imprevisível, e acho que nem teria porquê. Como num jogo de xadrez em que o oponente já sabe de antemão o desfecho à determinada altura da partida, Intermezzo também se move com jogadas calculadas, mas que ainda resultam num belo encerramento.
Gosto de pensar na escolha do título, e do momento no livro em que ele se fez compreensível, mas também gosto de pensar que tudo aquilo que está no meio da relação dos irmãos (suas personalidades, a mãe deles, suas namoradas, seus trabalhos, etc.) também está abarcado ali. As personagens secundárias também brilham nessa história, e ficamos ávidos por saber mais delas, mas é preciso lembrar que o foco é como a relação dos irmãos se dá justamente por causa de tudo que se mistura a quem eles são. Então, ao término do livro, digo que o título lhe cai muito bem.
Um livro competente em mostrar a complexidade das relações humanas e belamente escrito.
No livro é explicado, mas vou deixar aqui também o verbete.
Intermezzo:
No xadrez, o termo “intermezzo” significa um lance inesperado que acontece entre duas jogadas esperadas. É também conhecido como “lance intermediário” ou “zwischenzug”1.
Na música, é um símbolo musical que marca a passagem entre dois atos de uma ópera, ou entre duas cenas de um mesmo ato2.
- Fonte: Wikipedia.
- Fonte: Wikipedia.
Dados Técnicos do Livro:
- Capa comum: 488 páginas
- Editora: Companhia das Letras; 1ª edição (24 setembro 2024)
- Autora: Sally Rooney
- Tradução: Débora Landsberg
- ISBN-10: 8535938567 – ISBN-13: 978-8535938562
Este livro foi lido para a leitura coletiva do Clube Namanita.