A cabeça do santo – Socorro Acioli

Depois de ter lido as crônicas em “Sobre os Felizes”, da escritora cearense e ter me encantado com sua escrita, celebrei muito, ainda que silenciosamente, a escolha de “A cabeça do santo” para leitura do mês de maio (2025) no Clube Namanita.

Eu não sabia de toda a grandiosidade do livro até recentemente, mesmo depois de o ter finalizado, mas eu entendo o frisson que ele causa. Eu cheguei a pensar, enquanto o lia, que estava com o meu favorito do ano em mãos.

Porém, ao final da leitura, não o favoritei, mas acho que o maior problema não foi porque o livro tenha me decepcionado ou coisa do tipo, ou que eu esperasse um desfecho diferente. Achei simplesmente que terminaria o livro com essa sensação de fogos de artifício explodindo em meu peito, e isso não aconteceu, embora não saiba dizer exatamente por quê.

Quer dizer que o livro foi ruim? Nem um pouco. Eu o considero uma leitura cinco estrelas; achei ele difícil de largar e com uma narrativa pra lá de gostosa. Quem está desejoso por curar-se de uma ressaca literária, por favor, dê uma chance a “A cabeça do santo”.

A ideia toda do livro também é divertida e genial. Não à toa, por conta de sua proposta, Socorro Acioli foi a única brasileira escolhida para participar de uma oficina ministrada por ninguém menos que Gabriel García Marquez, sim, o Gabo. A oficina de roteiros “Como contar um conto” ocorreu eu Cuba, em 2006, e após Acioli apresentar um único parágrafo sintetizando a história sobre a qual trago aqui minhas impressões, a escritora foi selecionada.


Quando Samuel sai de Juazeiro do Norte em direção a Candeia para cumprir os desejos de sua falecida e amada mãe Mariinha, eu fui imediatamente transportada para a atmosfera etérea de Comala em “Pedro Páramo”. Durante a leitura, entre as impressões do pessoal do Clube Namanita, muitos disseram que, embora estivessem gostando da história, sentiam que faltava alguma coisa . São só conjecturas minhas, mas talvez o elemento de que tenham sentido falta é justamente de ordem situacional. A narrativa deixa bem claro onde a história se passa, o sertão cearense, mas esse cenário está ao mesmo tempo envolto nessa atmosfera etérea, comum às narrativas fantásticas.

Por mais absorto que o leitor esteja, então, ele acaba afastando-se um pouco da sensação de imersão na história, o que muita gente curte sentir: do lado de dentro da narrativa. É como apenas ver pelo lado de fora. E não há nada de errado nisso. Lembra muito a sensação de assistir à uma peça teatral, e aqui, parece empregar um aspecto de história “montada”. Não digo isso no mau sentido, muito pelo contrário. Ao encaminhar-se para o fim, é sensacional enxergar todas as peças finalmente se encaixando com perfeição, o que torna a história muito agradável de se acompanhar.

Mas não apenas pelo seu desenrolar que é tão fácil apreciá-la – embora as reviravoltas sejam, ressalto, maravilhosas. A escrita é primorosa. Ela se mostra despretensiosa, ainda que o leitor saiba e sinta que Acioli colocou sua alma ali, cuidadosa e meticulosamente. É escrito para parecer assim. E por isso que o livro é tão bom.

Samuel, ao chegar em Candeia, acaba indo morar dentro da cabeça de um santo, e só lendo mesmo para entender o assombro que é a evolução dos fatos e seus desdobramentos. Mas o que mais me emocionou no livro, foi o amor devocional de Samuel a sua mãe. Não fosse por ela, a história sequer existiria, pelo menos não com esse pontapé. Samuel talvez nunca deixasse a terra onde cresceu e nem viveria tudo que viveu em Candeia. E talvez esse amor é que também empreste realismo à obra, porque amor dessa monta é algo quase sólido em meio a tudo mais que possa parecer fantasioso demais; não que a literatura tenha que fazer jus algum à realidade, diga-se de passagem. Mas é um elemento familiar com o qual muitos leitores se identificam e que torna histórias como a de Samuel, ainda que em parte, um pouco semelhante à nossa.

Quero muito ler “Oração para desaparecer”, que também é um romance de literatura fantástica brasileira. Eu não sei vocês, mas eu amo os livros da Isabel Allende, por exemplo, e sua narrativa de realismo fantástico. Mas é diferente ler uma história que tem como pano de fundo um país que não é o nosso. Eu adorei ter lido uma história de peso na nossa literatura com as qualidades de uma literatura fantástica e que se passa no Brasil, ainda que não seja na minha região.

Também desconhecia que a autora possui inúmeras histórias infantis. Isso mostra sua versatilidade na escrita. Já quero sondar se há livros compatíveis com a idade do meu filho, alguém sabe dizer? Livros para crianças a partir dos 4 anos? Seria bem legal apresentar-lhe Socorro Acioli, pois adoro quando lemos livros da mesma autoria dirigidos a públicos diferentes.


Dados Técnicos do Livro:
  • Capa comum: ‎176 páginas
  • Autora: Socorro Acioli
  • Editora: ‎Companhia das Letras (1ª edição – 7 fevereiro 2014)
  • ISBN-10: ‎8535923691 – ISBN-13: ‎978-8535923698

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