No ano em que Brasil e Japão comemoram 130 anos do Tratado de Amizade, ter lido “Nihonjin” tornou-se um ato muito simbólico para mim, uma nipo-brasileira.
Sou, como dizem os descendentes de japoneses, yonsei por parte de pai e sansei por parte de mãe, mas, na verdade, tanto meus avós paternos quanto maternos nasceram no Brasil. “Yonsei” significa “quarta geração”, ou seja, que pertenço à quarta geração de uma família em terras brasileiras. O “sansei” por lado materno é mais obra da lei que da geografia. Meu avô paterno naturalizou-se japonês por ter vivido muitos anos no Japão. Ainda que pareça distante, a ancestralidade ecoa por gerações, independente da etnia e origem, acredito. E comigo não foi diferente. Cresci ouvindo histórias, dos meus pais e da minha avó materna, que foi a mais próxima de nós.
Como alguém também que nunca se leu completamente como “branca”, questionei-me em muitos momentos da minha vida quem eu era afinal. Que nipo-brasileiro nunca se sentiu como não pertencente a lugar algum? Os que emigram para o Japão pelas dificuldades financeiras e de encontrar um bom emprego no Brasil, são tratados como estrangeiros, mas os que permanecem no Brasil, muitas vezes, são tratados como não brasileiros, mesmo aqueles que como eu, já estejam por aqui há pelo menos quatro gerações.
As sensações, portanto, que experimentei ao ler “Nihonjin” conversam muito com sentimentos que já tive e tenho tido ao longo da vida. Às vezes é difícil tentar se encontrar sem se perder, e aqueles que pertencem a grupos minoritários talvez vaguem muito até se situarem. Muitos já odiaram ter olhos puxados e repudiaram qualquer recordação que remetesse a esses traços, afastando-se de qualquer tipo de contato com a cultura japonesa, por exemplo, mesmo quando nos idos dos anos 90 e inícios dos 2000, a cultura pop japonesa fervilhasse no Brasil por conta dos animes e mangás.
Minhas impressões sobre a leitura
Nihonjin traz a história de uma família de japoneses que veio ao Brasil já na primeira leva (a partir de 1908), quando o navio Kasatomaru atracou no porto de Santos, mas também segue pelas gerações seguintes, esboçando aqui e ali seus desdobramentos, principalmente porque a narrativa parte da perspectiva do neto de Hideo Inabata, o ojiichan (avô) que veio logo no início da abertura dos portos brasileiros aos japoneses.
Hideo deixou o Japão com uma crença muito forte compartilhada por muitos japoneses que vieram ao Brasil como ele à época, acreditando que seriam apenas alguns anos, 5 anos talvez, até que conseguissem juntar dinheiro e retornar à terra natal para reencontrar parte da família deixada para trás. Para a desilusão de muitos, isso raramente deve ter acontecido. É por isso também que estamos aqui, certo? Digo, eu e outros descendentes de japoneses, e a maior comunidade de descendentes de japoneses fora do Japão. Nossas famílias não conseguiram voltar. Ou, no melhor cenário, não quiseram voltar. Fico me perguntando como é a sensação de alimentar tão ferrenhamente a ideia de que um dia voltará ao país de origem a ponto de viver por tantos anos não se permitindo deixar de lado a transitoriedade. A ponto de colocar, nas palavras do livro, “irmãos contra irmãos”. Porque um tema que o livro toca é a guerra que houve, no Brasil, entre os próprios imigrantes e descendentes de japoneses após a Segunda Guerra Mundial, e que talvez ainda seja um fato histórico muito pouco conhecido. Alguns japoneses e familiares não aceitaram a derrota do Japão e consideravam traidores os japoneses e familiares que a reconheciam e que queriam deixar o passado para trás, começando uma nova vida. Por outro lado, como terá sido enfrentar a frustração de não conseguirem retornar ao Japão e ser tratado sempre como diferente, mesmo quando havia aqueles que queriam se integrar e se sentiam brasileiros? Não quero eximir ninguém da responsabilidade de suas escolhas, claro. No livro “A tempestade que criamos” tem-se um bom exemplo do peso das decisões tomadas por “ideais”. E aqui, a mesma crítica é pertinente.
“Ojiichan disse que o Brasil não era um país de pessoas livres, que o governo perseguia mais os japoneses que os italianos e alemães porque eram diferentes, não se confundiam com os outros em meio à multidão”.
Embora a obra traga uma narrativa voltada para a imigração japonesa no Brasil, sua universalidade se vê representada em diversos momentos, seja na sutileza da denúncia de extremismo, colocando irmãos contra irmãos, seja na necessidade de todos nós buscarmos pertencimento em algum momento da vida.
O desfecho, que me sensibilizou muito, caminha com a mesma brandura que todo o enredo. Há emoções habitando as entrelinhas, que dizem muito mesmo quando nada está escrito. E o leitor sensível será capaz de extraí-las, questionando-se sobre as escolhas que fazemos, a ironia da vida e nossa busca por identidade. Um livro que para mim, tornou-se indispensável.
Dados Técnicos do Livro:
- Capa Comum: 144 páginas
- Editora: Fósforo Editora, 4 fevereiro 2025, 1ª edição
- Autor: Oscar Nakasato
- ISBN-10: 6560000745 – ISBN-13: 978-6560000742
Vencedor do Prêmio Jabuti
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