Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao autor, João Muniz, por ter me proporcionado esta leitura, tão valiosa e muito oportuna.
Ler sobre o envelhecimento é ao mesmo tempo fascinante e assustador, mas é certamente algo imperioso. Fascinante porque sempre temos figuras de pessoas idosas em nosso meio que admiramos e, de alguma forma, esperamos chegar lá nas mesmas condições e com a mesma bagagem. Assustador porque é um confronto com nossa condição finita. A finitude nos apavora, e isso desde tempos antigos. Quem nunca ouviu falar da tragédia grega de Édipo Rei¹?
Tenho, porém, tido a oportunidade de ler livros que tratam do tema, ainda que indiretamente, e que me causaram muito impacto. Soma-se a esse apanhado, agora, o primeiro romance de João Muniz, que também casa com a minha meta de ler mais livros nacionais.
Sinopse:
Por que o indígena idoso é feliz? É respeitado como o mais antigo da comunidade, detentor de uma sabedoria ancestral. Conhece os xapirís, espíritos da floresta, sabe curar, orientar e resolver conflitos. É ativo e útil. Toma decisões pela aldeia inteira e por si mesmo. Pode até decidir o momento de sua própria morte, sem contestações. Por que o idoso ocidental é, via de regra, infeliz? Pedindo Passagem é um romance que mostra essa realidade num lar de idosos, onde tudo é imposto e as regras são impingidas como às crianças. O protagonista, um velho de 94 anos que acaba de perder sua companheira, questiona essa falta de liberdade e tratamento adequado, depois de encarar a realidade e ter ido morar no lar por vontade própria. Cria e lidera um movimento que reivindica liberdade e autonomia. Passa a se sentir útil e ativo ao lutar por sua causa. A partir daí, entende que é responsável e recupera sua autoestima e felicidade.
Pedindo Passagem é um livro que me trouxe muitas reflexões e aprendizados sobre a velhice, e, enfim, sobre a vida.
À medida que vamos avançando na leitura, o título se torna bastante simbólico. Afinal, se a vida é como um corredor com um único destino certo —a morte —, os transeuntes que percorrem seu caminho devem pedir licença para chegar ao fim com a maior dignidade possível. Outra interpretação, ainda, seria a de exigir voz e escuta, como quem pede licença e espera ser atendido, para se ver pleno de direitos, pois “velho também é gente”, tem demandas, vontades próprias e poder de decisão.
Com uma narrativa sem floreios e papas na língua, João Muniz nos convida a refletir sobre a velhice de uma forma sincera e, ainda assim, tocante.
Antônio, nosso protagonista de 94 anos, acaba de perder sua esposa e companheira de décadas, Marilu, e impossibilitado de cuidar de si próprio sozinho, concorda em deixar sua casa no interior de São Paulo para morar num “Lar de Idosos”, em Pinheiros, na capital.
É bastante curioso como a revolta de Antônio surge frente à sua simples condição. A cena poderia ser das mais triviais, não fosse o fato de ela ser vista justamente pela perspectiva de um idoso. Eu mesma, confesso, dificilmente teria enxergado a situação pela olhos de Antônio se não fosse por este livro. Às vezes eu vejo o quanto sou jovem e nada sei. Alguns quadros médicos que são descritos no livro, por exemplo, só vim a saber mais recentemente, com a morte do meu avô. Sou completamente leiga na maioria das doenças mais comuns à velhice, e bastante ignorante no assunto como um todo. Tenho tentado corrigir isso com a literatura, mesmo que ler sobre o tema nunca seja o suficiente para nos preparar para o choque da realidade.
Pedindo Passagem é um livro que com certeza ficará como referência para mim no tema “velhice”, e que sinalizo como de leitura obrigatória para quem quer repensar a vida, seja já um leitor idoso ou simplesmente aqueles que se julgam seguros e donos de si mesmos do alto de seus meros pares de anos, jovens como eu.
Conhecendo o autor:
João Muniz nasceu em São Paulo, em 1960.
Formou-se em comunicação social pela ESPM e foi publicitário por 32 anos, até vender sua agência para se dedicar à escrita.
Participou de oficinas de escrita criativa conduzidas por Marcelino Freire, André Sant’Anna, Paulo Henrique Nogueira e outros. Pedindo Passagem é seu primeiro romance, resultado de um ano de laboratório num lar para idosos, onde seu pai morou até morrer.
Nota:
¹”Como opera o pensamento mítico?
[…]o mito organiza a realidade, dando às coisas, aos fatos, às
instituições um sentido analógico e metafórico, isto é, uma coisa vale por outra,
substitui outra, representa outra. No mito de Édipo, por exemplo, os pés e o
modo de andar têm um significado analógico, metafórico e simbólico muito
preciso. Labdáco, avô de Édipo, quer dizer coxo; Laio, pai de Édipo, quer dizer
pé torto; Édipo quer dizer pé inchado.
Essa referência aos pés e ao modo de andar é uma referência da relação dos
humanos com o solo e, portanto, com a terra, e simboliza ou metaforiza uma
questão muito grave: os humanos nasceram da terra ou da união de um homem e
de uma mulher? Se da terra, deveriam ser imortais. No entanto, morrem. Para
exprimir a angústia de serem mortais e que os humanos, portanto, nasceram de
um homem e de uma mulher e não da terra, o mito simboliza a mortalidade
através da dificuldade para se relacionar com a terra, isto é, para andar (coxo,
torto, inchado). Para exprimir a dificuldade de aceitar uma origem humana
mortal, o mito simboliza a fragilidade das leis humanas fazendo Laio mandar matar seu filho Édipo, Édipo assassinar seu pai Laio e casar-se com sua mãe, Jocasta”. (CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000, p. 205/206).
Informações adicionais sobre o livro:
Capa comum: 308 páginas
Editora: Autografia (1 de janeiro de 2019)
ISBN-10: 8551818341 – ISBN-13: 978-8551818343
Livro cedido em parceria pelo autor. Adquira seu exemplar preferencialmente no site da editora.
Não me lembro de ter lido nenhum livro que tenha abordado esse tema. Será que inconscientemente nos negamos a saber sobre determinadas coisas, como é o caso da velhice e dos problemas que surgem com ela? Visto que, em nossa sociedade é sempre pregado um culto a beleza e juventude eterna, como se não fôssemos envelhecer nunca. Com certeza é um livro que merece ser lido. ♥
CurtirCurtir
Fiquei animada com a recomendação, pois no momento estou estudando mais sobre o idoso na faculdade de Enfermagem, e poder ter uma leitura pelos olhos dele certamente será incrível 🙂
CurtirCurtido por 1 pessoa
Sim, tenho certeza que o livro seria uma ótima reflexão 😊
CurtirCurtir
Velhice, ingresso incerto. Certeza do finito e da despedida. A velhice oculta inúmeras lições de vida, erros, acertos. Felizes os investidos de sensibilidade para perceber os idosos, seja vendo, ouvindo sua trajetória, conversando ou simplesmente tratando-os como pessoas com dignidade. Felizes os que aprendem com as lições de vida dos idosos.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Oies Isa! Nossa, eu imagino o quanto essa leitura deve ter sido reflexiva, depois que li “Ainda estou aqui” fiquei tão chocada com o mal de Alzheimer que é uma das doenças que mais me afligem na velhice… 😦
CurtirCurtir