Em busca de mim – Viola Davis – Percursos Literários

“Em busca de mim” é uma narrativa autobiográfica ao mesmo tempo deliciosa, dolorosa e emocionante, em que Viola Davis, já adulta, vencedora dos prêmios mais cobiçados do mundo cinematográfico e do teatro, de carreira e talentos prestigiadíssimos, retoma sua dura infância e ainda árdua juventude, e reencontra-se com aquela menina de 8 anos, assustada, mas desejosa por mudar os rumos de sua vida.

Viola teve um lar conturbado em sua infância, mas só atravessando sua longa jornada é que pode, com muita lucidez, entender que já criança ela teve a epifania de que se continuasse naquele mundo, só entre os seus, ela nunca teria nada diferente a oferecer.

“Estávamos todos só descobrindo como amar e nos conectar. Estávamos presos na armadilha do ciclo da violência.

Se para nós leitores, existe a ideia muito difundida de leitura como escapismo, como fuga, é mais ou menos isso que se pode concluir de Viola. “Tornei-me atriz porque a atuação é uma fonte de cura”. (p. 103)

“[…] Existe um abandono emocional que vem com a pobreza e com o fato de ser negro. O peso do trauma geracional e da luta por necessidades básicas não deixa espaço para mais nada.” (pp. 58-59)

Viola Davis não põe panos quentes quando se trata de enfatizar toda a estrutura racista que permeia a indústria do entretenimento, aqui inclusos cinema e teatro, e atualmente os seriados de streamings.

A atriz toca em temas como colorismo, e ideologia do opressor, e abre seu coração ao contar inúmeros episódios de discriminação que sofreu por ser uma negra retinta.

Nessa mesma esteira, lembra que:

“[O] ator que faz o comercial de uma seguradora de carros para ter um plano de saúde tem tanta integridade quanto alguém que não aceita esse trabalho para esperar pelo papel que lhe trará um Oscar” (p. 169), afinal, a diferença é que “quem tem escolhas, tem recursos.” (p. 171)

Em suma, quem tem escolhas é privilegiado.

Conheci melhor como é a realidade de todos os milhares de atores que buscam uma colocação no mercado, e, sinceramente, é a primeira vez que leio um livro que toca no assunto mas que foi escrito por uma mulher negra. Só agora pude entender a dimensão da dificuldade enfrentada por tantas mulheres negras que, assim como Viola, partem com todas as desvantagens na disputa por um bom papel.

Amei as referências a Toni Morrison, amei ter pausado um pouco a leitura para conferir a atuação de Viola em “Um limite entre nós”, e relembrar sua atuação em “How to get away With murder “.

Achei também muito linda a relação de Viola e Julius, e não tem como não desejar felicidades ao casal eternamente.

Chorei em alguns momentos do livro, não necessariamente por serem passagens tristes (mas algumas sim), mas pela beleza mesmo das palavras de Viola, que misturam lucidez, perdão e, claro, amor, o mais genuíno.