Pantera no porão* é uma autobiografia romanceada do escritor israelense Amós Oz. Nela, acompanhamos a narrativa de sua adolescência (de exatos 12 anos e 3 meses) em que é considerado traidor por seus amigos. A história se passa em 1947, na Israel ocupada pelas tropas britânicas.
Prófi, como era chamado, é membro e cofunfador do LOM (Liberdade ou Morte), um “movimento” que acredita ser de resistência, que conta com apenas outros 2 colegas. O apelido, “Prófi” vem do diminutivo de “professor”, por sua fama de obsessão pelas palavras. O garoto vivia lendo enciclopédias e livros da biblioteca do pai. Por ser sempre um grande explorador, tanto de livros quanto de pontos estratégicos imaginários para espiar o “inimigo”, um dia, nessas aventuras de reconhecimento de território, distrai-se explorando a cidade e se esquece do toque de recolher. Prófi é surpreendido pelo sargento inglês Dunlop, que lhe leva de volta para casa; mas os dois continuam a se encontrar, trocando aprendizados, um ensinando inglês e o outro hebraico.
Esses encontros são descobertos pelos outros 2 colegas que o expulsam do movimento, além de o chamarem de traidor.
“Certa manhã apareceram estas palavras na parede de nossa casa, pintadas em grossas letras pretas logo abaixo da janela da cozinha: PRÓFI BOGUÊD SHAFÉL! — “Prófi é um traidor infame!”.
“A palavra sháfel, “baixo, infame, desprezível”, despertou uma pergunta que ainda hoje me interessa, agora que sento para escrever esta história: será que é possível alguém ser traidor sem ser infame? Se não é impossível, por que será que Tchita Reznik (reconheci a caligrafia dele) se deu ao trabalho de acrescentar a palavra infame a “traidor”? E se é possível, em que circunstâncias a traição não é infame?”
Na narrativa, Prófi, 45 anos depois do episódio, retoma sua infância sob um olhar mais maduro e passa a lançar questionamentos, que recaem também sobre o leitor, sobre o que é traição, além de nos levar à reflexão da intolerância e do fanatismo.
Cheguei a esse livro justamente por que o autor o menciona em “Como curar um fanático”, e fiquei muito curiosa para ler.
Prófi tinha tudo para ser um fanático, mas é possível ver que sua curiosidade e amor pelos livros o salvou. Procurando relacionar vocábulos com suas origens e usos, o garoto vai, inadvertidamente, expandindo seus horizontes e se autodescobrindo, não apenas num contexto bélico, com a ocupação de seu país, mas também de forma mais íntima, em sua sexualidade, tão pungente nessa fase da vida.
É um livro que pode não agradar alguns, mas ele certamente tem um lugar no meu coração como alguém que também ama demais os livros e o poder transformador deles.
Nota:
*Pantera no porão é o nome de um filme fictício mencionado no livro, lembrando os filmes hollywoodianos exibidos nos cinemas de Jerusalém na década de 1940. Eu o interpreto como uma metáfora para toda a energia represada no adolescente que o autor era à época, sedento por “derrotar os inimigos” e também pelas transformações da puberdade.
Dados Técnicos do Livro:
- Capa comum: 152 páginas
- Autor: Amós Oz
- Editora: Companhia das Letras; 2ª edição (2019)
- ISBN-10: 857164912X –ISBN-13: 978-8571649125
- Título original: Panter Bamartef