O Impulso – Ashley Audrain

Tem como um livro te provocar reações mesmo antes de você o ler? Eu acredito que sim.

Estou com o livro “O impulso” na versão e-book para ser avaliado desde janeiro de 2021. Na época, eu estava como parceira da Companhia das Letras, mas, devido à pandemia da Covid, foi uma parceria que saiu bem diferente do que eu estava acostumada. A maioria dos títulos deveriam ser lidos virtualmente, através do Netgalley, e eu recebi pouquíssimos livros físicos da editora. Eu também estava vivendo meu puerpério, com meu filho de apenas 4 meses. Eu já havia pego alguns títulos para ler, um deles, que inclusive já tinha lido e somente teria que revisitá-lo em uma nova edição. Mas fui engolida pela nova realidade, claro, e confesso, não dei conta de ler três dos livros pendentes de resenha que havia feito o download.

“O Impulso” surtiu um bloqueio especial em mim, porém. Eu decidi inúmeras vezes que finalmente eu o leria, mas na última hora, sempre acabava mudando de ideia. Já ouvi falar que muitas mulheres ao se tornarem mães deixam de curtir determinados assuntos, e aí não sentem mais vontade de ver determinados tipos de filmes ou ler certos gêneros de livro. Eu não só não sentia vontade como sinceramente, travava ao pensar em lê-lo. Lembro que ainda no puerpério eu havia assistido a uma série de true crime, e de como aquilo me fez mal, a ponto de ter insônia no augo do meu cansaço físico, então vi que não conseguiria mais assistir a nada do tipo e, pior, nem ler, porque lendo as emoções sempre são mais intensas para mim.

Mas cá estamos, em agosto de 2025 (quando escrevo), e eu estou feliz em anunciar que finalmente li “O impulso”. A sinopse dele já levou minha mente longe muitas vezes, e era o que me fazia fechar o Kindle e dizer “ah, deixa para outra hora”. Eu achei que nunca fosse conseguir ler, sério. Os outros dois livros, infelizmente, continuam aguardando minha leitura, que eu larguei na época tudo junto porque era muita coisa para mim, mas quem sabe. Pode levar mais 4 anos, espero que não, mas estou ciente de que não conseguirei mais parcerias com a Cia das Letras, embora acho que valeu pela minha saúde mental.

E sim, depois de o ter lido, eu só consegui pensar “ainda bem que eu não o li em 2021”. Porque eu era mãe há muito pouco tempo e mesmo assim, já colecionava muitos medos; não precisava de outra ansiedade me habitando. Não que a maternidade tenha ficado mais fácil de lá para cá, a gente só se acostuma com o papel, acho.

Mas vamos ao livro, certo?


Minhas impressões sobre o livro:

Blythe teve uma mãe que a abandonou e uma avó materna também com uma história bem ruim, de maus-tratos à filha. Essa bagagem é carregada por Blythe, claro, porque cicatrizes assim podem marcar por muitas gerações. Mas então, ela e o marido decidem ter um filho. Um pouco receosa de início por conta de seu passado, seu parceiro a tranquiliza dando-lhe segurança de que ela é diferente, e que será uma ótima mãe. Porém, quando Violet finalmente nasce, a sensação maravilhosa de tornar-se mãe não lhe acontece. Na verdade, com o tempo, Blythe vai percebendo que nada na maternidade era como ela imaginava. Embora que diga que ame Violet, é vista pelos outros, inclusive pelo marido, que tanto dizia acreditar na capacidade dela de ser uma ótima mãe, como “uma mãe não muito amorosa”. Para piorar o quadro, Blythe ainda acredita que Violet se comporte diferente das outras crianças, e não no bom sentido.

A história, logo de cara, me lembra muito “Precisamos falar sobre o Kevin”. A começar que em “O Impulso”, a narradora também dirige a palavra a seu marido. Se em “Precisamos falar sobre o Kevin”, no entanto, isso se dava por meio de cartas, aqui, temos uma narrativa de Blythe com intuito de mostrar sua versão dos fatos, seu ponto de vista.

Então, sim, só temos a perspectiva de Blythe, no caso, e muito convincente. Seu histórico não a ajuda, porém. E essa é a maior sacada do livro, para mim, que, não importa se Blythe esteja dizendo a verdade ou não, não importa se você quer acreditar ou não nela, a dúvida quanto à sua sanidade mental e sua confiabilidade paira no ar. Será uma mulher “histérica”, como gostam de dizer, ou é uma mulher que está sendo invalidada por conta de coisas do passado que ela carrega? É difícil ler sem julgar as atitudes de Blythe, muitas vezes a repreendemos mentalmente, ao mesmo tempo, ela me parece muito lúcida e confiante quanto ao que afirma.

Só para esclarecer, eu não era mãe ainda quando li “Precisamos falar sobre o Kevin”, então eu não enxergava tanto as coisas pelo viés da maternidade. Eu estava do lado de fora. Ainda assim, lembro que a leitura me impactou muito e me levou a pensar uma série de questões sobre a maternidade, inclusive a não romantizá-la. Agora, tendo lido “O Impulso” como mãe, o livro me impactou talvez até mais que na época.

Conforme Violet vai crescendo, porém, a confiança de Blythe como mãe vai drenando, e uma tragédia faz com que a própria Blythe questione sua sanidade mental. É aí que o leitor que já havia formado uma opinião sobre ela talvez comece a se questionar também sobre a verdade, instigando a leitura contínua até o fim.

A história em si me prendeu muito. Eu não sou de devorar livro, porque leio devagar em geral. Assim, considero que tê-lo lido em apenas 3 dias foi uma façanha possível graças à qualidade envolvente da trama.

O livro é classificado por uns como drama psicológico, e por outros como um thriller psicológico, e na verdade, também não importa muito. Mas o fato é que ele me deixou tensa o tempo todo. Talvez as mães concordem mais em classificá-lo como thriller porque um dos maiores medos das mães é se estão criando bons filhos.

Aliás, acho que esse seja um bom momento para acrescentar que talvez esse livro não seja para qualquer um. Ele tem uma série de gatilhos, a começar pelo abandono materno, mas há muitas outras questões perturbadoras, envolvendo a maternidade. Quem não curtiu “Precisamos falar sobre o Kevin”, já adianto que não tem muito de diferente aqui e não recomendo a leitura.

Se essas questões não forem um problema para você (e para mim já foram em algum momento, como já deixei relatado no começo do post), então a leitura com certeza será muito fluida e instigante, gerando uma série de reflexões.


Dados Técnicos do Livro:
  • Capa comum: 328 páginas
  • Editora: ‎Paralela,  1ª edição, 22 janeiro 2021
  • Autora: ‎Ashley Audrain
  • Tradução: Lígia Azevedo
  • ISBN-10: ‎8584391983 – ISBN-13: ‎978-8584391981

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