Este foi o livro escolhido para leitura no Clube Namanita, do qual faço parte, para o mês de novembro. Fiquei feliz pela vitória nas votações, porque já estava com ele há um tempinho em casa aguardando sua vez.
Ainda que eu de fato não tenha participado do debate (festas de fim de ano me fizeram esquecer completamente do debate), consegui aproveitar a discussão no grupo, lendo tudo com dois dias de atraso, mas avaliando todos os comentários e refletindo sobre eles. O debate enriqueceu muito minha percepção do livro, e me fez gostar ainda mais dele.
Foi minha primeira vez lendo Conceição Evaristo propriamente. Eu havia topado com a escrita dela no livro “Eu, Tituba, bruxa negra de Salém”, que conta com prefácio escrito por ela; foi ali que eu soube que eu deveria ler algum livro dela. Muito tempo, infelizmente, se passou, até que o dia chegasse, mas o saldo foi positivo.
Eu não amei o livro, vou ser sincera. Mas que fique bem claro: é um ótimo livro, com uma escrita muito gostosa de ler. Fico até imaginando esse livro traduzido, e sinto um pouco de pena dos “gringos”, que vão talvez perder essa enorme fluidez da escrita de Evaristo. Foi a premissa, porém, que não me agradou. A leitura é importante e toca em assuntos necessários para a refletirmos sobre a igualdade de gênero e sobre o racismo, mas não é um livro cuja proposta de enredo me prenda. Algumas cenas, inclusive, me deixaram bem desconfortável, ainda que saibamos que elas acontecem na vida real também. A sorte é que a autora tem outros livros, com outras propostas, que eu tenho certeza que irei adorar.
Se fosse apresentá-lo sem crítica alguma, eu diria toscamente que o livro traz a história de Fio Jasmim e das mulheres que ele vai “conquistando” ao longo da vida. Isso não é análise alguma para ser sequer chamada de rasa. E se fosse, não poderia estar mais equivocada.
Conceição Evaristo se vale da riqueza da nossa belíssima língua portuguesa e brinca com as palavras, sejam elas nomes próprios ou meros substantivos.
A começar pelo título, “Canção para Ninar Menino Grande”. Eu não sei vocês, mas canção de ninar é um conforto que os cuidadores (geralmente as mães/mulheres certo?) oferecem aos bebês para que eles embalem no sono ou até mesmo para acalmá-los. Fio Jasmim é um homem que, pelas circunstâncias da vida (e da sociedade) cresceu em busca desse conforto e acabou encontrando-o no corpo das mulheres.
Mas a história, como disse há pouco, não é realmente sobre Fio. É sobre a história das muitas mulheres que cruzaram o seu caminho.
No debate, foi dito que Fio Jasmim é o “fio” que liga a história dessas mulheres. Mas continuando a metáfora, eu diria que Fio é como as linhas de uma partitura, cujas mulheres vão dando as notas, tons e melodia da canção que o consola. Uma canção triste, claro. Ninguém passa ileso por um amor.
Cada mulher que aparece no livro tem uma história interessante, e seus nomes também são sempre simbólicos. Pérola Maria, por exemplo, a mulher com quem Fio escolhe se casar, é a que menos sabemos sobre. Tão rara como uma joia, Pérola é elevada, tornando-se inalcançável. Não sabemos de seus sentimentos nem de sua história. Só resta ao leitor supor.
Embora a maioria das mulheres seja forte na história. Não é a força delas que me impressiona. É a tristeza que elas conseguem carregar, talvez porque foram criadas para suportar certas dores, aceitando atitudes e comportamentos tidos como “normais” para um homem.
Mas o livro contém mais camadas para além do machismo. Ele adentra o racismo, o que conversa muito com minha leitura de “E eu não sou uma mulher?”, de bell hooks. Fio Jasmim é negro, assim como a maioria das mulheres com quem ele se relacionou. Logo no início do livro, é trazido um episódio de sua infância, em que Fio Jasmim desejava ser o Príncipe na peça teatral da escola, mas fora preterido por um menino loiro. Essa dor ele carrega a vida toda, e busca uma aceitação grande dos outros, que acaba encontrando na conquista das mulheres.
Mas a dor não é só a dele. E nem poderia. São as dores das mulheres que dão o tom melancólico da “canção” (e do livro). Umas se desvencilham mais fácil da dor, outras, não. Mas a marca fica. Fica no triste acalentar de homens que parecem não amadurecer emocionalmente, confundindo sempre prazer carnal com felicidade. A eles, permite-se, socialmente, o abandono das mulheres e das crianças que com elas tiveram, e às mulheres resta a conformidade de criar os filhos, a sensatez tratada como banalidade de vencer na vida. De carregar essa batalha diária como fonte de orgulho da mulher, sobretudo da mulher negra.
Este é um livro que dá para se aprofundar muito na discussão, apesar de pequeno. E é por isso que ele tem tamanha potência. Existe uma genialidade na história. É uma pena que, para mim, ela teve de ser conduzida por Jasmim, uma flor que parece realmente agradar a muitos com sua beleza e aroma.
Dados Técnicos do Livro:
- Capa comum: 136 páginas
- Autora: Conceição Evaristo
- Editora: Pallas, 2ª edição (16 novembro 2022)
- ISBN-10: 6556020885 – ISBN-13: 978-6556020884