Eu, Tituba, bruxa negra de Salem

Livro incrível que recebi através da parceria com o Grupo Editorial Record, e que, talvez, se não fosse pela parceria, eu não tomasse conhecimento tão cedo deste livro ou talvez nem fosse instigada a lê-lo.

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Eu, Tituba, bruxa negra de Salem foi um daqueles livros que me jogou no escuro em vários aspectos, mas que terminou por iluminar minha mente daquela forma linda que os bons livros fazem: expandindo os nossos horizontes de forma irredutível.

Iniciemos pela escritora caribenha, Maryse Condé, a quem eu ignorava por completo até então, bem como, embora já tivesse ouvido falar, não sabia exatamente onde ficava sua terra natal, a ilha de Guadalupe, território francês (departamento ultramarino da França). Sua breve biografia, na segunda orelha do livro, porém, já impacta o leitor. Com mais de 20 livros escritos, percebi o quanto desconheço no cenário literário, o que só aumenta minha sede por novas descobertas de livros e autores.

Houve, a partir de 1692, em Massachusetts colonial, um conjunto de julgamentos de algumas mulheres que ficaram conhecidas como “Bruxas de Salem”. Tituba, uma mulher negra, provavelmente oriunda de Barbados, estava entre essas mulheres, e foi presa em 1693, mas fora uma das acusadas que se beneficiou de um perdão geral concedido pelo governador da colônia, William Phipps. Assim, Tituba é libertada e é vendida, mas os registros que a incluem acabam por aí, por puro racismo dos historiadores, que jamais se importaram com o fim que teve Tituba.

De modo a devolver a Tituba o status de heroína que foi, e de modo a honrar sua memória, Condé recria sua história e dá-lhe um final com o qual se satisfaz.

Nessa história fictícia, Tituba é uma mulher negra livre, mas que, por se envolver amorosamente com um homem, e escolhendo recolher-se sob o mesmo teto que ele, acaba se tornando  uma escrava; Tituba torna-se uma propriedade, assim como seu marido já o era.  Tituba também perdera sua mãe muito jovem, mas aprendeu a lidar com a morte com uma velha senhora, Man Yaya, que lhe ensinou a ver e falar com os “invisíveis”. Tais práticas são descritas, pelos brancos puritanos como “bruxaria”, e a acusação que pesava sobre Tituba era a de praticar e professar o hoodoo.

No maravilhoso prefácio que abre o livro, somos desde já despertados pelas palavras de Conceição Evaristo que nos lembra que:

“O texto conclama a leitura, quer pela curiosidade pelo desfecho da história, quer pela compreensão lenta de que a “bruxaria” de Tituba, nada mais é do que uma sabedoria construída em outros espaços culturais. Modos diferenciados de relações com a morte, com os mortos e com as forças ancestrais.”

A própria Tituba, no livro, cansada das indagações sobre ser ou não uma bruxa, à certa altura responde, plena de razão: “Cada um dá a essa palavra um significado diferente. Cada um acredita que pode entender a bruxa do seu jeito, de modo que ela possa satisfazer às suas ambições, aos seus sonhos , aos seus desejos…”

Mas em sua mente, e no seu coração, tudo o que ela fazia era curar e cuidar das pessoas, consolá-las, sobretudo quando as pessoas perdiam entes queridos. “Os mortos só morrem se morrerem também em nosso coração.” 

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Adorei o fato de que, no livro, Tituba também tem consciência, além das injustiças cometidas, das outras que ainda virão, como a de seu completo esquecimento pela historiografia dos brancos, e mesmo assim, espera por tempos melhores, desejando “às gerações futuras que vivam tempos em que o Estado seja provedor e se preocupe com o bem-estar dos cidadãos”. Ao longo dessa leitura, me deparei com inúmeras situações com as quais me revoltei, mas quando cheguei nessa passagem, tudo o que consegui sentir foi um aperto no coração, porque não tenho certeza que chegamos onde Tituba tanto queria. É um desejo que eu também transfiro para as futuras gerações.

Por fim, mais um ponto que gostaria de ressaltar sobre o livro – e que conversa muito bem com a leitura que finalizei ainda hoje (Sobre o autoritarismo brasileiro, Lilia Schwarcz) – diz respeito às metáforas que permeiam a narrativa, como forma de insurgência contra outras barbáries cometidas ao longo da História da humanidade. Nas palavras de Evaristo: “A concepção de Tituba por meio de um ato de violência metaforiza a povoação das Américas. A história da colonização do continente americano foi marcada pelo estupro das mulheres indígenas e africanas escravizadas.”

Eu, Tituba, bruxa negra de Salem é um livro que indico a leitura àqueles que querem sair um pouco da zona de conforto e voltar o olhar crítico para dentro de si mesmos, indagando-se sobre nossos julgamentos e o quanto, por vezes, eles se dão da mesma forma que os julgamentos dos “cidadãos de bem” de Salem, ou seja, errôneos, desumanos, preconceituosos e injustos.


Informações adicionais sobre o livro:

Capa comum: 252 páginas

Editora: Rosa dos Tempos; Edição: 1 (7 de outubro de 2019)

ISBN-10: 8501117234 – ISBN-13: 978-8501117236

Título original: Moi, Tituba, sorcière… noire de Salem

Adquira seu exemplar preferencialmente no site da editora.

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