Por que devemos ler mais livros escritos por mulheres

 

Dia 08 de março, Dia Internacional da Mulher. Há quem tente tornar tal data insignificante ao dizer “mas o dia da mulher é todo dia”, ou pior, “e todos os outros dias são dos homens”. E claro, tudo bem se você acredita que ser mulher é algo maravilhoso que deva ser valorizado no dia a dia. Eu também acredito nisso, mas daí a não querer ver a importância de uma data que simboliza a luta de igualdade entre ambos os gêneros é um salto não tão grande assim. Não dar destaque à data, que carrega um longo processo histórico em si, é tornar invisível todo o debate ainda necessário na esfera da igualdade. É como simplesmente dizer “não há mais diferenças nem machismo, então, por que falarmos sobre isso?”.

Lembro que nas aulas de Direito do Trabalho — sim, para quem não sabe, sou graduada em Direito — foi apresentada como uma das supostas origens para a data um incêndio ocorrido numa fábrica em Nova York, EUA, onde a grande maioria dos trabalhadores era mulheres imigrantes. No entanto, restou comprovado que o trágico evento se deu no dia 25 de março, o que descartaria o incidente como seu verdadeiro marco inicial. Ainda há muito dissenso sobre a origem do Dia Internacional da Mulher. O que se sabe, porém, é que mais de 100 países o comemoram não por pura celebração, mas como uma memória coletiva de protestos que surgiram tanto na União Soviética como nos EUA; tal memória fora abandonada após a década de 1920, mas recuperada pelo movimento feminista nos anos de 1960. Em 1975, a ONU elege 8 de março como o Dia Internacional da Mulher para lembrar as conquistas sociais, políticas e econômica das mulheres¹, mas um longo processo rumo à igualdade ainda se faz necessário.

Diante desse breve apanhado histórico, portanto, peço que não ignorem a data, não tentem, ainda que de forma velada ou inconsciente, esvaziá-la de seu valor. Não reproduzam as frases que destaquei no início deste post ou quaisquer outras que sigam na mesma linha. Se você é a favor da valorização da mulher e da igualdade entre mulheres e homens há outras formas de demonstrar isso sem apagar o registro de tal data. Como? Que tal lendo mais mulheres?

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Imagem de Ina Hall por Pixabay

E que diferença faz ler mais mulheres? 

Obviamente, essa é uma opinião minha, e há várias outras formas de valorizar a mulher. Eu me agarro a essa ação porque, bem, sou uma leitora e me parece uma forma muito simples de corrigir algumas injustiças de gênero.

Não sou nenhuma especialista, e falo bem por cima daquilo que provavelmente você, leitor(a), também já sabe. Houve tempos em que mulheres não podiam escrever, muito menos publicar seus escritos. Daí tantos pseudônimos cujos reflexos incidem até hoje. J. K. Rowling, por exemplo, se viu obrigada a publicar seus livros dessa forma, e não como Joanne Rowling, porque, à primeira vista, seria tida como um escritor masculino, e, portanto, mais convincente (ou rentável, se preferir). Na historiografia também, há inúmeros registros que partem do ponto de vista apenas masculino. E, claro, no campo fictício não era diferente. Quer um exemplo? No livro “Eu, Tituba, Bruxa Negra de Salem”, Conceição Evaristo ressalta que a narrativa de Maryse Condé oferece ao público outra versão sobre o episódio conhecido como “o julgamento das bruxas de Salem”. Afinal, a versão que ficou conhecida é a obra de Arthur Miller e sua peça teatral “As Bruxas de Salem”, que segue a tradição da literatura e do teatro, colocando a figura masculina como herói-protagonista, enquanto Condé resgata o protagonismo da figura feminina (e negra escravizada), valorizando suas crenças e o desejo de produzir a cura e o bem das pessoas. Veja, tanto a obra de Miller como a de Condé se apropriam do mesmo fato histórico, mas uma carrega anos de prestígio simplesmente por seguir a tradição (homem na literatura como autor e herói), enquanto a outra busca reparação historiográfica (um ponto de vista e o protagonismo femininos).

Também gosto de lembrar de um fato apontado por Virginia Woolf em sua obra “Um teto todo seu”, em que entre inúmeras considerações, a ensaísta ironiza sobre como é mais fácil para um homem escrever algo de maior qualidade, já que não precisa ficar escondendo seu manuscrito toda vez que alguém resolve adentrar seu espaço privado; daí uma das importâncias de a mulher ter um teto todo seu.

Hoje é notório que a maioria dos perfis em redes sociais voltados para a literatura seja de mulheres e que há mais autoras mulheres que homens. Ainda assim, infelizmente, se lê mais livros escritos por homens que por mulheres. O motivo? Acredito que tenha a ver com a mesma tradição que consagrou a obra de Arthur Miller e que impulsionou a decisão de J.K. Rowling e de tantas outras autoras a publicarem seus livros com um nome que não revelasse inicialmente seu gênero. Mas isso pode ser mudado. Basta hoje você escolher um livro escrito por mulher. Um dia, quem sabe, tal ação não precise ser deliberada, e aconteça puramente pela razão de haver tantos livros em sua estante escritos por mulheres quanto homens ou até mais.

Feliz Dia da Mulher. Que a luta continue, nos mais pequenos espaços, nos mais pequenos atos.


Referência

¹WIKIPEDIA. Dia Internacional da Mulher. [S.I] [2020]. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_da_Mulher&gt; Acesso em: 04 mar. 2020.

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