Minha Vida Fora dos Trilhos – Clare Vanderpool

É 1936, e Abilene Tucker (12 anos) é enviada pelo pai, Gideon Tucker, à cidade (fictícia) de Manifest, no Kansas, onde ele cresceu, já que Abilene não poderia passar o verão com ele enquanto estivesse trabalhando na estrada de ferro. Abilene é uma forasteira nessa cidade, cuja desbotada placa de boas vindas anuncia “Manifest: uma cidade com um passado”. Junto de sua sacola, Abilene tinha trazido consigo apenas um vestido azul, duas moedas brilhantes, uma carta de Gideon e uma caixa forrada com um velho jornal Manifest Herald, datado de 1918, a qual continha o seu bem mais precioso: a bússola de Gideon.

Em Manifest, Abilene fica aos cuidados do pastor Howard, o Shady, e logo vem a conhecer Hattie Mae, que é a jornalista cuja coluna “Suplemento de Notícias da Hattie Mae” está impressa no pedaço do jornal Manifest Herald que forra a caixa da preciosa bússola que Abilene carrega consigo.

Embora seja o último dia de aula antes das férias de verão, Abilene é mandada à escola para se enturmar com as crianças da cidade. De início um pouco resistente, mas depois deixando-se envolver pela atmosfera amigável da classe, Abilene faz amizade com Ruthanne e Lettie. As meninas se encarregam de ir-lhe apresentando as particularidades de Manifest, e, em retribuição, ela decide compartilhar com elas o mapa de um espião que encontrou no quarto onde Shady a acomodou.

As três garotas logo se tornam inseparáveis e começam a bolar um plano para descobrir quem era o tal espião, vulgo “cascavel”. Assim, aos poucos Abilene vai tomando conhecimento de fragmentos do passado daquela cidade. Ela passa a juntar esses pedaços, que são cartas datadas de 1918, histórias que passa a ouvir da vidente Srta. Sadie, e matérias antigas do Manifest Herald escritas por Hattie Mae. Procurando entender o passado daquela cidade, na verdade, Abilene deseja entender e conhecer melhor o próprio pai e os motivos de ele a ter enviado à cidade de sua infância.


“Minha Vida Fora dos Trilhos” foi publicado em 2017 pela editora Darkside. Trata-se de um romance histórico, o que por si só já o coloca no meu arco de livros imperdíveis. Mas eu ainda tenho uma porção de coisas a dizer sobre este livro. Prometo ser breve e objetiva.

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Eu tive meu primeiro contato com a escrita  da autora Clare Vanderpool com o livro Em Algum Lugar nas Estrelas”, que foi a primeira obra dela publicada aqui no Brasil, em junho de 2016, pela Darkside Books, selo Darklove. (Obrigada, Darkside!) Mas, Minha Vida Fora dos Trilhos” é, na verdade, a obra de estreia da autora. Como cronologicamente eu li na ordem da publicação da Darkside, naturalmente, minhas impressões de Minha Vida Fora dos Trilhos” vêm da minha leitura prévia de “Em Algum Lugar nas Estrelas”.

Assim, comparativamente, em comum nas duas obras, e que podem então, por ora, ser assimiladas como características das obras de Vanderpool, temos: capítulos que alternam narrador e tempo (pessoas diferentes narrando acontecimentos em épocas diferentes), leitura que exige imersão (nada de ficar lendo o livro e mexendo nas redes sociais ao mesmo tempo!), crianças como protagonistas, títulos com trocadilhos (somente no original, em inglês)  e um talento incrível para escrever bonito demais.

Vanderpool, em “Minha Vida Fora dos Trilhos”, alterna o narrador e o tempo, que ora é a própria Abilene, em 1936, e ora é a Srta. Sadie, em 1917-18. Além disso, há recortes de jornais (fictícios) de 1918, que vão agregando informações às histórias da Srta. Sadie. Não há complicações nessa fórmula. É tudo visualmente muito bem distinguível e muito clara a mudança de narrador. Há quem tenha reclamado que a história tenha ficado truncada e confusa por conta desse recurso. Eu discordo. Em primeiro lugar porque é um livro escrito para crianças. Ora, se uma criança é capaz de ler e entender, e você não, talvez seja preciso repensar suas leituras. Com este livro, aliás, Vanderpool recebeu o prêmio John Newberry Medal, pela distinta contribuição para a literatura infantil norte-americana. E, em segundo lugar, porque há sempre um prenúncio de mudança de narrador (quando a história sai da “voz” de Abilene para a “voz” da Srta. Sadie). Mas se não há complicações, então por que você diz que precisa de imersão? Bom, não é porque a narrativa é fácil que você pode se dar o capricho de ler sem se dedicar exclusivamente à leitura. O problema não é tanto deixar passar detalhes importantes ou não entender. Para isso você pode sempre voltar as páginas e reler se for preciso, mesmo não sendo algo agradável de se fazer. O que você tem que tirar desse leitura, porém, é a própria sensação da leitura. Ela deve provocar emoções em você. Se isso não estiver acontecendo, ou você não sentiu a pegada do livro, ou ele simplesmente não é para você. Acontece, infelizmente. Cada experiência de leitura é única, afinal.

O livro, também, celebra as pequenas coisas da vida, tais como ouvir histórias de outrora de pessoas mais velhas, o prazer de dividir uma garrafa de coca-cola e o despojamento de catar minhocas à luz da lua. Se você não é capaz de enxergar a beleza que existe na simplicidade, desencana de vez, pois, repito, esse livro não é para você. Além da imersão, portanto, é um livro que não pode ser lido às pressas. É preciso saborear os detalhes, as palavras.

Embora o livro tenha crianças como protagonistas, não se deixe enganar por isso, caso não seja muito fã de histórias narradas por crianças. Esse seria um critério muito ruim para descartar de vez a leitura. Diferente do que vocês possam imaginar, esse livro não conta a história de Abilene Tucker. Conta a história de uma cidade inteira. Enquanto Abilene se ocupa em procurar rastros de seu pai na história da cidade, o que o leitor percebe é que toda história de alguém está vinculada à história de um lugar, que por sua vez é feita das histórias de outras pessoas. Abilene passa a conhecer as pessoas de Manifest através de seus passados. Algumas pessoas nem existem mais. E, ainda assim, ela vai entendendo um pouco melhor a cidade e começa a se perguntar, afinal, onde é o seu lugar, o seu lar.

O livro, ainda, conta com inúmeras referências históricas: Primeira Guerra Mundial, Grande Depressão, Gripe Espanhola, Ku Klux Klan, para citar algumas mais conhecidas. Como Clare Vanderpool junta todos esses elementos na sinopse que eu dei acima sem virar bagunça e ainda criar uma história incrível, só mesmo lendo a obra para saber. É impressionante! Uma história com certeza emocionante, sobre passado, família, vínculos, amigos e esperança.

Para finalizar, vou deixar um trecho do livro que, acredito eu, pois é  muito difícil escolher, seja minha passagem preferida:

“Admirei como Ruthanne sabia o que eu não sabia. Que Lettie não tinha comido o seu biscoito de gengibre. Numa família de seis filhos, o mais provável era que ela tivesse aberto mão do próprio biscoito e trocado alguma coisa por outro para trazer os dois para nós.

“A lua brilhava sobre o dólar de prata, e pensei na história da Srta. Sadie sobre Jinx e Ned. Na história do fantasma do tio Louver. Na história de Lettie sobre ter comido seu biscoito. Nas cartas de Ned e no “Suplemento de Notícias da Hattie Mae”, que eu lia antes de dormir. E na história de Gideon, que eu tentava descobrir. Se existe mesmo algum lugar universal, e eu não estava preparada para jogar todos os meus pela janela, é que existe poder numa história. E se alguém é suficientemente bondoso para inventar uma história para deixar você comer um biscoito de gengibre, você acredita nessa história e saboreia até a última migalha”. 

É, Clare Vanderpool… e se alguém é suficientemente talentoso para inventar uma história para deixar nossos corações cheios, então a gente aceita lê-la e saboreá-la até a última palavra. Obrigada por trazer ao mundo um suplemento de histórias que todo mundo precisa ler.

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Informações adicionais sobre o livro:

Capa dura: 320 páginas

Editora: Darkside; Edição: 1ª (24 de maio de 2017)

ISBN-10: 8594540310 – ISBN-13: 978-8594540317

Título original: Moon Over Manifest

 

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