No dia 10 de dezembro celebra-se o dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E nada melhor que trazer a vocês um livro temático, pois nem só de romances vive esta viciada leitora.
Calma! Prometo não ser chata por conta da seriedade do tema. Ou pelo menos, assim irei tentar. Por favor, persista até o fim!
Já faz alguns anos que li o livro A Invenção dos Direitos Humanos: uma história, de Lynn Hunt, de modo que não me sinto muito à vontade para fazer uma resenha minuciosa, mas é um livro que gostei muito e achei que seria interessante ao menos divulgá-lo.
Lynn Hunt é uma historiadora norte-americana, nascida no Panamá, e atualmente Professora de história na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, sendo o livro abordado neste post sua obra mais famosa.

“Nossa, mas por que você leu esse livro?”, vocês devem estar se perguntando. Bom, acontece que, para quem não sabe, meu marido é também um historiador, e, desde a época em que apenas namorávamos, eu já ficava sondando as prateleiras dele para ver em que furada eu estaria me metendo. Já nem lembro mais se o livro foi sugerido por ele ou se eu mesma, de livre espontânea vontade, o quis ler. Só sei que o livro acabou nas minhas mãos, e, o resultado, foi agradabilíssimo!
Hoje, casados, é com muita alegria que digo que nossos livros – cada um com suas preferências e esquisitices – também dividem um lugar comum: nossa humilde estante de livros. Embora eu brinque com ele que minha metade é a dos livros legais, e a dele é a metade chata, tem muitos livros que eu gostaria de ler da parte dele ainda. Mas prometo me dar preferência a fazer reviews da minha metade.
Antes do breve review propriamente dito, vou lançar uma pergunta:
Que tipo de leitor você é? Do que acredita que a leitura de romances traz algum resultado prático, ou do que apenas lê por prazer, como uma forma de escapismo da realidade e que pouco reflete sobre como um romance afeta a sua vida?
Eu sou uma pessoa muito pragmática, de modo que sempre acabo procurando uma utilidade em tudo que faço, e bem, ler é uma das coisas que MAIS faço. Então me encaixo no grupo do primeiro tipo de leitor. E isso provavelmente foi fundamental para eu ter me afeiçoado tanto a essa obra de Lynn Hunt.
Os direitos humanos são os direitos básicos de todo ser humano, sem discriminação. Só para citar alguns deles: direito à vida, à liberdade, liberdade de opinião e expressão, direito ao trabalho e à educação, etc. São direitos que devem ser protegidos e o Estado deve garantir tal proteção, obrigando seus governos a agirem de determinadas maneiras e a se absterem de praticarem determinados atos. Embora esse conceito seja muito raso, ele engloba um tema muito mais complexo do que parece e leva a uma história muito mais longa do que se imagina. Segundo Lynn Hunt, embora tais direitos hoje sejam indiscutíveis – e ainda assim frequentemente não respeitados – tais direitos não são naturais (embora se considerem inerentes ao homem) e muito menos foram concebidos repentinamente pelo homem. Até aqui, nada de mais. A grande proeza de Hunt, entretanto, foi apresentar, com este livro, o longo processo histórico dos direitos humanos que inclui a leitura de romances como a mais importante forma de mudança das práticas diárias da vida. Trocando em miúdos, grosso modo, ler romances teve o resultado prático de, aos poucos, inflamar em seus leitores, pessoas comuns, noções básicas de liberdade e outros direitos autoevidentes, hoje tidos como direitos humanos.
“Acredito que a mudança social e política – nesse caso, os direitos humanos – ocorre porque muitos indivíduos tiveram experiências semelhantes, não porque todos habitassem o mesmo contexto social, mas porque, por meio de suas interações entre si e com suas leituras e visões, eles realmente criaram um novo contexto social”.
E é então dessa análise, das mentes individuais, e não do contexto social, que Hunt parte em sua saga rumo à gestação dos direitos humanos.
Embora o tema possa parecer complexo à primeira vista para leigos (tanto de História quanto de Direito), na verdade, a escrita de Hunt é muito tranquila e clara, sem pedantismo e pompas. É, realmente, a história ao alcance dos não-historiadores.
Ao final do livro, há também um apêndice com os 3 documentos mais importantes para os direitos humanos, que são as (1) declarações de direitos dos Estados Unidos, de 1776; da França, de 1789; e das Nações Unidas, de 1948.
Muitas conquistas vieram desde a ratificação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948. No site da ONU estão listadas 20 conquistas 20 anos após a adoção do documento pela Organização, da qual eu destaco uma delas:
“Há um consenso global de que graves violações dos direitos humanos não devem ficar impunes. As vítimas têm o direito de exigir justiça, inclusive em processos da restauração do Estado de Direito após conflitos. O Tribunal Penal Internacional traz autores de crimes de guerra e crimes contra a humanidade à justiça”.
O Tribunal Penal Internacional – TPI é uma Corte permanente e subsidiária aos Tribunais Nacionais que julga pessoas, e não países, que tenham cometido crimes de genocídio, de guerra e/ou contra a humanidade. Assim, se porventura um país, por meio de seus respectivos tribunais, não promove o julgamento de um sujeito que tenha cometido tais crimes, só então o caso é levado ao TPI.
É possível acompanhar os trabalhos dessa Corte de duas maneiras: navegando pela internet, que é a opção mais plausível, mas também existe a possibilidade de visitar a Corte. E o percurso literário de hoje, portanto, será exatamente sobre a visita. É um percurso um tanto inusitado, eu sei, mas pode interessar a algumas pessoas, e uma das formas que o TPI propõe de engajar as pessoas a construir um mundo mais justo e participar desse movimento global, é justamente de “contar aos outros sobre a Corte”, e por isso decidi dividir minhas experiências com vocês da minha visita ao Tribunal Penal Internacional – TPI.
O TPI tem sua sede em Haia, nos Países Baixos, e lá teve suas atividades iniciadas em 2002. Como tive a feliz oportunidade de ir em 2015 à Holanda, não quis perder a oportunidade de conhecer a mais famosa Corte Penal. Para quem não sabe, eu sou formada em Direito, e sempre tive uma “quedinha” pelo Direito Penal.
Enfim, quando lá estive em setembro de 2015, o TPI ainda estava funcionando num prédio provisório, totalmente inadequado às atividades (e, diga-se, ainda assim, melhor que o prédio de muitas repartições públicas aqui no Brasil). Lembro-me até da nossa guia explicando que o teto era baixo porque o edifício antes era um estacionamento. *Gente, era baixo mesmo! A título de curiosidade, a estatura média de um homem holandês é de 1,80m, mas esse NÃO é o ponto de vista de um holandês, é do ponto de vista dos meus humildes 1,60m de altura!* Do TPI só tenho a foto na frente do prédio à época, ao lado da plaquinha. Dentro das instalações não era permitido fotografar.
Felizmente, em dezembro do mesmo ano (2015), a Corte foi instalada num prédio novo, construído especialmente para abrigá-la. Hoje, então, o TPI funciona nesse prédio bonito aí da foto abaixo:

Eu procurei no site como visitar a Corte, mas infelizmente não encontrei. Não apenas a sede sofreu alterações, mas o site também, e essa reestruturação me deixou um pouco perdida. Porém, quem tiver interesse, pode tentar enviar um e-mail para o endereço eletrônico para o qual o eu enviei à época: iccvisits@icc-cpi.int. Foi através dele que agendei o dia de minha visita, que requeria uma antecipação mínima de 30 dias.
Tive de preencher um formulário (o APPLICATION FOR GENERAL INFORMATION VISIT – INDIVIDUAL) e encaminhar para esse e-mail. Eles foram muito atenciosos e prestativos em todas as minhas respostas. Não consegui inicialmente uma visita para a data que eu queria, mas fomos trocando e-mails até chegar num consenso (o que foi logo) e finalmente, a visita foi agendada para 30 de setembro de 2015, às 10:00.
Só no dia para entrar na Corte mesmo que eu e meu marido tivemos um pouco de complicações. É requerida a chegada para visitações 15 minutos antes do horário agendado. Chegamos exatamente às 9:45. Mas havia um segurança que não estava entendendo qual era a nossa finalidade ali na Corte e não nos deixava entrar. Tive que ter um pouco de paciência para conseguir explicar. E, claro, há vistorias e detectores de metais para ingressar nas instalações do TPI. Também, embora não se exija que se vá de traje formal, lembre-se que se trata de um Tribunal e algumas etiquetas são necessárias, portanto, nada de shorts e chinelo. Depois que finalmente conseguimos entrar, fomos muito bem recebidos. A simpática e eficiente funcionária quis saber o motivo de nossa visita, por mera curiosidade e para dar início às apresentações do TPI. Fomos os primeiros do grupo do dia a chegar, mas depois chegou uma turma inteira de alguma faculdade de Direito.
Segue abaixo a programação que me foi enviada por e-mail após minha confirmação de nossa visita:
10:00 Introdução geral às instalações do TPI – (ICC em inglês: International Criminal Court);
10:15 Apresentação da história, jurisdição e mandato da Corte
10:45 Apresentação dos casos correntes e seus andamentos na Corte, e espaço para perguntas e respostas;
11:15 Apresentação ao Tribunal – onde se dão os julgamentos propriamente ditos
11:30 Fim das apresentações
Assim, seguindo a programação à risca, fizemos todos um pequeno tour pelas instalações e depois assistimos a um breve vídeo que explicava um pouco melhor sobre a Corte propriamente dita, com uma breve fala do então presidente do TPI. Todo o atendimento, explanação e exibição foi feito em inglês. Findo isso, levaram-nos a uma sala de onde se podia assistir a algum julgamento, caso estivesse algum acontecendo e não fosse uma Sessão privada.
Fiquei impressionada com a estrutura para o público assistir às Sessões. Todo o julgamento é filmado e traduzido simultaneamente. Nessa salinha, que era um verdadeiro auditório isolado do recinto das Sessões de Julgamento, as poltronas eram enfileiradas como num anfiteatro, e havia fones de ouvido disponíveis, com os quais se podia acompanhar os depoimentos e as palavras dos membros da Corte, sendo possível optar pelo idioma que quer ouvir. Dentre as possibilidades, que não me lembro agora quais eram, escolhi o inglês.
Nós não ficamos até o final, porque meu interesse era apenas em conhecer as instalações do TPI e aprender um pouco mais do que realmente assistir a um julgamento. Tanto que nem cheguei a ver qual era o caso em pauta. A pauta dos trabalhos, aliás, é divulgada no site com uma antecedência de 2 semanas, mas sempre passível de mudanças de última hora, de acordo com a conveniência da Corte, assim como o mesmo pode acontecer com visitas agendadas. Então, sejam compreensivos.
Conclusão da visita: esse evidentemente não é bem o tour que a maioria das pessoas procuram. Mas se você for um acadêmico ou um profissional do Direito, e for especialmente entusiasmado com as causas de Direitos Humanos ou com o Direito Penal em si, pode ser uma experiência bastante enriquecedora e a recomendo sem restrições. Se esse não for o seu caso, agradeço ter lido o post até o final e termino com o consolo de que haverá um percurso literário mais interessantes de Haia por vir!
Informações adicionais sobre o livro:
Editora: Companhia das Letras; Edição: 1ª (10 de junho de 2009)
Título original: Inventing Human Rights: a history
Total de páginas: 288 páginas
ISBN-10: 8535914595 288 – ISBN-13: 978-8535914597
Apesar da complexidade, suas palavras seduzem para a leitura e reflexao do tema. Mais um livro anotado!!! 👏👏👏👏👏
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