Sinopse:
“Se você soubesse a data de sua morte, como seria a sua vida?”
Clinton Street, 72, Lower East Side de Manhattan, Nova York. É lá que reside a família Gold no ano de 1969. Os irmãos Gold são quatro: Simon (7), que é o caçula, Klara (9), a segunda mais nova, seguida de Daniel (11), e, por fim, a primogênita Varya (13). Todos filhos de Saul e Gertie. Saul é dono da Alfaiataria e Confecção Gold, e Gertie secretária, e tanto ele quanto ela educaram seus filhos dentro de valores principalmente judaicos. E foi assim que tudo começou, como narrado no próprio livro: foi “[…] um segredo, um desafio, uma saída de emergência que eles [os irmãos Gold] usaram para fugir da presença de sua mãe, que exigia que eles pendurassem a roupa lavada ou tirassem a maldita gata do cano do fogão sempre que os encontrava ociosos no quarto”. Foi assim que eles decidiram escapar de casa e procurar por uma vidente na Hester Street que era capaz de dizer com precisão a data da morte de uma pessoa.
Assim, a pergunta que abre esse post é não apenas uma boa síntese da ideia central deste livro como o ponto de partida para o leitor de uma grande e poderosa leitura.
Minhas impressões do livro:
Como você viveria se soubesse a data de sua morte? Viveria? Sobreviveria? Ou pior, enlouqueceria?
Nessa obra, Chloe Benjamin nos oferece uma valiosa oportunidade de debruçarmo-nos sobre tais questionamentos através de personagens tangíveis, factíveis e muito bem trabalhados pela autora.
O livro é divido em 5 partes: Prólogo – contando brevemente como os irmãos foram ao encontro da vidente em Hester Strret – e mais 4 partes, uma para cada irmão, narrando suas vidas já com eles depois de alguns anos. Começamos exatamente na ordem que eu os apresentei a você, leitor, lá na sinopse: a primeira parte, “Vá dançar, moleque”, é sobre Simon, a segunda, “Proteus”, sobre Klara, a terceira, “A Inquisição”, sobre Daniel, e a quarta e última, “Lugar de vida”, sobre Varya.
Cada parte tem seus dramas e suas características. Simon se descobre gay e vai para São Francisco, Califórnia, com Klara, antes mesmo de ele terminar os estudos na escola. Nessa primeira parte há um inequívoco clima sexual, com cenas um tanto fogosas a que Benjamin recorre para produzir no leitor o efeito desejado: a sensação do óbvio.
Depois explicarei isso melhor.
Na segunda parte, temos Klara, que sempre foi apaixonada pela mágica, tentando fazer sua luz própria brilhar nos palcos como uma mulher num ramo altamente machista. Essa parte tem um dos trechos que achei mais bonito no livro:
“– Você é um cara religioso – diz Klara, olhando a cruz no pescoço dele. – Meu pai também era. Às vezes, eu acho que ele era meu oposto. Suas regras contra minha quebra de regras. Sua realidade contra minha fantasia. Mas o que eu percebi, o que eu acho ele já sabia, é que nós acreditávamos na mesma coisa. Pode chamar de alçapão, compartimento escondido, ou pode chamar de Deus; um espaço reservado para o que não conhecemos. Um lugar onde o impossível se torna possível. Quando ele recitava o kidush ou acendia as velas no Shabat, ele estava fazendo mágica.”
Vou parar a citação por aqui, porque acho que o resto merece ser lido em primeira mão pelo leitor na leitura do livro propriamente dito.
Nessa parte, há também uma das possíveis razões do título do livro, já que Klara se apresentava como “A Imortalista” em seus shows. Outra explicação possível, claro, tem a ver com um dos próprios fundamentos do judaísmo, que é a crença na imortalidade da alma. E gosto muito como Benjamin coloca na narrativa elementos do judaísmo de forma tão sutil e ao mesmo tempo tão evidente. A todo momento surgem palavras comuns da tradição judaica, ora de forma apressada, corriqueira e indigna de nota, ora pungentes, simbólicas, estruturantes, como verdadeiros sustentáculos de algo maior. Com certeza, aprendi muito com essa leitura, já que não conhecia praticamente nada da cultura judaica. Familiarizei-me com alguns termos (que joguei no Google sim para saber o que era), descobri ritos e muito mais.
Na terceira parte, gostei muito de conhecer melhor Daniel, que obviamente era o que tinha uma maior necessidade de estar conectado com a família. Reconheço nele algumas de minhas preocupações também, em termos de família, embora eu não seja nada parecida com ele. Também, vai ficando mais clara a influência que a visita à vidente teve na vida dos irmãos Gold.
Por fim, temos a parte de Varya, que foi uma das mais perturbadoras para mim. E creio que o ápice do domínio que as palavras da vidente tiveram sobre os irmãos.
Não espere encontrar nesse livro um ritmo frenético, dinâmico. Não é assim que caminha a história. Não espere chegar em algum lugar diferente na história. Ou, não espere ver algo diferente do óbvio. Aqui encontro o gancho para explicar o que falei lá em cima sobre a sensação do óbvio.
Há uma maestria de Benjamin ao conduzir a história por um caminho previsível. A previsibilidade pelo leitor permite muitas indagações que acabam desembocando, ao final, naquela mesma pergunta que introduz o post. “Se você soubesse a data de sua morte, como seria a sua vida?”. E a vidente fala sobre tal previsibilidade a Varya:
“– O que está procurando? – pergunta Varya.
– Seu caráter. Já ouviu falar de Heráclito? – Varya balança a cabeça. – Um filósofo grego. Caráter é destino, é o que ele dizia. Estão amarrados, os dois, como irmãos e irmãs. Quer saber o futuro? – Ela aponta para Varya com a mão livre. – Olhe no espelho.
– E se eu mudar? – Parece impossível que o futuro de Varya já esteja dentro dela como uma atriz fora do palco, esperando décadas para sair da coxia.
– Então você seria especial. Porque a maioria das pessoas não muda.[…]”
Esse livro abre a possibilidade para discutir muitos assuntos: alcoolismo, depressão, suicídio, preconceito, machismo, religião, laços familiares e também os centrais e de cunho filosóficos a psicológicos. Você acredita em destino? Você viveria ao máximo? Ou saber da sua data de morte o levaria a auto-concretizar tal profecia? E quanto a possíveis transtornos mentais que tal conhecimento poderia acarretar na pessoa?
Não, realmente não há nada de óbvio acontecendo no livro. Mas essa sensação de que as coisas se encaminham para onde deveriam se encaminhar é mais que uma profecia cumprida: é a premissa básica de onde parte todo o enredo, e é também o que, ao fim do livro, faz a mágica dessa obra acontecer, na medida em que a sensação do óbvio não nos fornece todas as respostas e acabamos com um final mais aberto do que imaginávamos, com mais perguntas que respostas. E não é assim a vida também?
Se você gosta, como eu, de livros com histórias simples mas de qualidade, este é deles. Imperdível para mentes introspectivas e muito interessante para pôr sua própria vida em perspectiva, até se você não for dos mais introspectivos. Recomendo muito.
Ademais, essa edição está lindíssima. As fotos do post falam por si só. Uma obra de beleza completa, tanto externa quanto de conteúdo.
Este foi o segundo livro de Chloe Benjamin (o primeiro no Brasil), autora de Anatomy of Dreams, livro vencedor do prêmio Edna Ferber. Nasceu em São Francisco, estudou na Faculdade de Vassar e na Universidade de Wisconsin e atualmente vive em Madison – Wisconsin, EUA, com seu marido.
Esse livro foi uma cortesia de:
Informações adicionais sobre o livro:
Capa dura: 320 páginas
Editora: HarperCollins (15 de julho de 2018)
ISBN-10: 8595082774 – ISBN-13: 978-8595082779
Título original: The Immortalists
Uau!!! Adorei a resenha!!! Quero muito ler o livro!!! Não sei se gostaria de saber a data da morte. Dependendo do momento, acho que vale a pena. Acho que é necessário compreender o que é a vida, ter maturidade o suficiente para equacionar vida, tempo e morte.
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🙂 empresto
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