Sobre os Ossos dos Mortos – Olga Tokarczuk

Outro dia mesmo estava respondendo a um post sobre o que torna um livro bom para mim, e é daqui que eu inicio minhas considerações sobre o livro Sobre os Ossos dos Mortos”, da escritora premiada Olga Tokarczuk (Nobel de Literatura de 2018). Mas antes, apresento-lhes o livro:

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Sinopse:

“Neste romance noir e subversivo, Janina Dusheiko narra os acontecimentos que envolveram o desaparecimento de seus cachorros. Excêntrica, ela sempre pareceu preferir a companhia de animais às pessoas. Também é obcecada pelos versos do visionário poeta inglês William Blake. Quando membros de um clube de caça local são encontrados mortos, Dusheiko se envolve na investigação. O que vem a seguir é uma montanha-russa de acontecimentos tão profunda quanto impressionante. Sobre os ossos dos mortos é também uma meditação sobre a falta de respeito do homem pela natureza”.

Com o esboço do livro em mente, passo a responder à indagação que fiz inicialmente.

Considero um livro bom quando ele atinge seu propósito. No caso, o romance de Tokarczuk me pareceu ter dois intuitos: analisar a relação homem-natureza — mais especificamente, a relação homem-animal — e criar uma atmosfera de suspense em torno da investigação policial. Nesses dois quesitos, acredito que o livro gera tanto reflexões muito interessantes quanto proporciona ao leitor um clima de tensão e curiosidade estável até o desfecho da história. Por isso, sim, o livro é bom. Mas para meu desapontamento, não o achei maravilhoso, incrível ou espetacular.

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Verdade seja dita, há uma particularidade que contribuiu enormemente para isso: o fato da protagonista, a sra. Dusheiko ser obcecada por astrologia e passar mais da metade do livro fazendo observações sobre o assunto. Como a narrativa está em primeira pessoa, ela tem toda a liberdade para discorrer sobre as características de cada signo e como a respectiva casa influencia a vida das pessoas. Não me levem a mal (ou me levem), mas essas descrições de Dusheiko sobre mapas astrais se transformaram para mim em verdadeiros monólogos bastante cansativos, mesmo que o livro seja curtíssimo. Respeito quem adore discutir astrologia, mas eu considerei essa característica obsessiva da personagem um desvio de foco não apenas desnecessário como também desinteressante. Portanto, ainda que o livro tenha atingido seu objetivo, sua execução não me foi das mais atraentes.

Num panorama geral, eu diria que o maior mérito do livro é proporcionar a discussão sobre o descaso dos humanos com a natureza. Creio até que todas as passagens que destaquei no livro justamente levantem essa indagação.

“Do ponto de vista da natureza não há seres benéficos ou maléficos. É apenas uma distribuição pouco sensata usada pelo ser humano.” (p. 148)

E me agrada bastante como essas reflexões, no livro, frequentemente desembocam também na religião:

“Chamavam-nas de púlpitos, púlpitos para caça. Esse nome sempre me espantava e causava irritação. O que se ensinava nesses púlpitos? Que evangelho se pregava ali?  Não é o cúmulo de presunção, uma ideia diabólica, denominar assim o lugar de onde se mata?” (p. 57)

“—Por que as pessoas não têm um cheiro assim? [sobre feromônios] — perguntei.

— E quem lhe disse isso?

— Não sinto nada.

— Talvez você não saiba que sente, minha querida. Por isso, em sua presunção humana ainda acredita em livre-arbítrio.” (p. 150)

Quanto ao suspense, ele é existente, e como disse, estável ao longo do livro, até que a solução do caso seja revelada. Mas quando esse momento chega, não há surpresa alguma. As pistas estão dadas, as motivações também são evidentes. Nada impressiona, embora eu realmente não tenha me preocupado muito com isso durante a leitura; investi mais no que chamei de maior mérito do livro.

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No mais, a escrita é muito competente, o que, tirando as partes que achei enfadonhas (do meu ponto de vista, pois, friso, há quem irá se deliciar com elas e amar o livro, espero), torna a leitura muito fluida.

Os personagens em geral são excêntricos, e, ainda que essa característica não tenha tal intenção, ela colabora com o clima de suspense, lançando uma aura cinzenta e nebulosa por toda a narrativa.

Não foi um favoritado do ano, mas é um livro muito curioso, que certamente lhe tirará da zona de conforto, e que considero fora da curva dos livros que tenho lido, o que é bom, porque acredito na importância de sermos expostos às mais diversas leituras. E, por fim, um livro que recomendo por toda a reflexão que ele levanta.

Do alto de sua arrogância, é sempre o homem que determina quem são seus pares (humanos), e portanto de mesmo valor, e quem não (os animais), aquilo que tem utilidade e o que não tem não, o que é benéfico ou maléfico (para si, obviamente). Impossível não pensar na máxima de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas; das que são enquanto são e das que não são enquanto não são”, e não constatar a triste verdade sobre o relativismo humano.


Dados Técnicos do Livro:

Capa comum: 256 páginas.

Autora: Olga Tokarczuk

Editora: Todavia, 2019.

ISBN: 9786580309696

Título Original: Prowadź swój pług przez kości umarłych

Livro adquirido em Livraria da Vila – Loja Aurora (Londrina/PR).

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4 comentários

  1. Interessante sua resenha! Eu vi várias pessoas publicando que estavam lendo esse livro recentemente. Fiquei bastante curiosa pelo fuss, mas não necessariamente pela história. Ainda não sei se pegarei para ler, mas provavelmente vou acabar me rendendo.

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    1. Bom saber que as pessoas estão interessadas nele, eu não vi tanta gente assim lendo. Eu não amei o livro, como disse, mas achei uma leitura bem interessante pra pensar nossa relação com a natureza. Espero que se ler você goste.

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  2. Sou do tipo que se interessa pelo livro olhando a capa e o título e desde a primeira vez que vi esse livro por aí na internet, ele não despertou o meu interesse. Me julguem! 🙂 🙂

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