Não Me Abandone Jamais – Kazuo Ishiguro

Depois de ler “O Gigante enterrado”, e não ter gostado muito, resolvi dar mais uma chance ao escritor Kazuo Ishiguro, sobretudo depois que ele recebeu o prêmio Nobel de Literatura.

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A história de “O Gigante enterrado” não me prendeu e não bateu com meu ritmo de leitura, embora, como uma leitora experiente, eu acredito ter me deparado com uma escrita de altíssima qualidade sim. E é esse outro motivo pelo qual também me dispus sim a ler outros livros do Ishiguro. E que bom que levei isso adiante!


Fazer uma resenha de “Não me abandone jamais” é uma tarefa difícil. É difícil separar o quanto se pode falar dele sem dar spoiler e do quanto é necessário falar dele para se ter uma resenha verdadeira. Assim, vão ter de perdoar minha escolha, mas preferi apenas trazer a sinopse que está na orelha do livro e depois tecer breves comentários:

Kathy H. tem 31 anos e há onze é “cuidadora”, quando decide assumir o imenso fascínio que sente por Hailsham, o colégio no interior da Inglaterra onde viveu seus melhores anos, onde começou a amar Tommy e onde, ao lado de Ruth, sua futura rival, cavalgou corcéis imaginários, integrou guardas secretas, confabulou, riu, chorou e sentiu medo – como qualquer criança. Mas há algo de estranho nas crianças de Hailsham. Para começo de conversa, são todas “doadoras”. O que significa ser “doador”? E o que significa ser “cuidador”? Já às vésperas de se tornar ela própria uma “doadora”, Kathy faz um balanço e tenta nos explicar como chegou aonde está. Mas seu relato nem sempre é isento e muitas vezes acarreta ainda mais dúvidas.

Na verdade, nada é o que parece ser e, à medida que as lembranças de Kathy mergulham no pântano misterioso do passado, aumenta a curiosidade do leitor. Afinal, de onde saíram pessoas tão ingênuas? Quando começarem a surgir, as respostas vão ultrapassar o terreno do assustador. Elas serão devastadoras. Não me abandone jamais é um romance comovente, doloroso, que fala de perdas e de solidão. Como viver, sabendo que a vida tem limite? É inevitável, mas, às vezes, quando nos damos conta, já é tarde demais.

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Bom, vamos aos meus breves comentários.

O livro é dividido em três partes: na primeira, Kathy conta sua infância em Hailsham. Eu considero essa parte de fundamental importância no conjunto da obra, pois várias anedotas que Kathy nos relata desse período vão ser rememoradas em outros tempos, com um novo significado. Na segunda parte, Kathy narra sua vida após a saída de Hailsham e como era a convivência com outros jovens saídos de outros colégios/internatos, que teriam o mesmo destino que ela: tornar-se uma doadora de fato ou uma cuidadora. Na terceira parte, por fim, temos Kathy, com 31 anos de idade, já então uma cuidadora e se preparando para se tornar uma doadora.

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Embora o livro seja divido em três partes bastante lógicas em termos cronológicos, Ishiguro também neste livro explora o tema “memória”. Assim, durante sua narrativa, as lembranças parecem ser contadas à medida que Kathy vai se lembrando delas: ora avança, ora retrocede na sua história. Sem falar ainda das vezes em que passa a contar sobre algo, lembra-se de outra que acha importante relatar, e interrompe rapidamente para explicar. O mais intrigante de tudo é que isso funciona muito bem. Não fica nem um pouco confuso para o leitor. Ishiguro domina a arte da narrativa da memória.

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Além disso, Ishiguro tem uma das escritas mais belas que eu já tive o prazer de ler. Na foto, vocês podem ver os post-its que colei. Cada um deles está marcando alguma passagem que achei simplesmente bonito demais para deixar passar. Houve várias outras, com certeza. Essas são apenas as que mexeram mais comigo. Mas a mais bela de todas ainda, para mim, é justamente a passagem, já na terceira parte, que me parece ser realmente de onde vem o título do livro. Infelizmente, prefiro não compartilhar aqui com vocês, pois acredito que seria um spoiler, ao qual sou contra.

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Se gostei tanto, por que só dei 4 estrelas no GoodReads?

Só não dei 5 estrelas por dois motivos que acredito serem bem bobos, mas até justificáveis. O último capítulo achei demasiadamente longo e cansativo, mesmo que de fato não seja longo: são apenas 14 páginas. Mas eu já estava ficando cansada de Kathy e sua forma ingênua de ver o mundo. Aquilo foi me irritando num crescendo e confesso que terminei o livro com ares de “até que enfim, acabou!”. Eu sei que esse sentimento que eu tive é decorrente do próprio talento do Ishiguro. Tudo tem um propósito nesse livro, não há nada sobrando, em excesso, digamos assim. Acredito que a intenção dele era realmente a de mostrar uma alienação, uma resignação… algo nesse sentido. E eu entendo que ele o fez como deveria ter feito, simplesmente. Mas para mim foi extenuante. A “calma” dos personagens me irritou demais. Não acho que todo mundo terminará o livro com a mesma sensação. Isso é algo muito pessoal, e justifica eu querer dar 4 estrelas. O segundo motivo, embora também ache que tenha sido necessária na história, é a personagem de Ruth. Ela é tão bem construída por Ishiguro que me tirou do sério inúmeras vezes.

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Não sei se daria para se fazer essa mesma história com esses dois pontos modificados. A meu ver, não. Para mim, o enredo não é exatamente brilhante, mas Ishiguro tem o talento indiscutível de criar uma grande narrativa com muito pouco. Basicamente, é a bela escrita e os temas abordados que sustentam a obra. O plot twist não me surpreendeu nem um pouco, e nem acho que ele quis de fato surpreender nesse ponto. Para mim, é esse conjunto de passagens muito bem escritas, da brincadeira que ele faz com as lembranças de Kathy, influenciando ou não o leitor, os diálogos muito bem feitos, o ar de mistério e de ingenuidade que permeia a narrativa, os questionamentos que surgem na cabeça do leitor… é isso que torna este livro tão bom e indispensável, convergindo para a discussão central que pode ser levantada da leitura desse livro: a própria existência humana. Ishiguro faz por merecer o Nobel de Literatura.

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Peço que realmente me desculpem por ter feito um review tão superficial de “Não me abandone jamais”. Até andei dando uma lida em alguns, para ver como as pessoas expunham o conteúdo deste livro. Mas cheguei à conclusão que não dá realmente para dar maiores detalhes sem dar spoilers. No próprio site da Companhia das Letras há um spoiler. Eles podem até achar que não, mas para mim, ainda que pequeno, há sim. Então, assim como muitas pessoas disseram, eu concordo que quanto menos você souber do livro ao decidir lê-lo, melhor. Por isso a inexpressividade do meu review, se é que assim pode ser chamado este post. Mas, ainda assim quis dividir com vocês minha boa experiência com o livro.

E se você for ler este livro, por favor, peço que depois da leitura volte a este post e me diga se concorda comigo.


Informações adicionais sobre o livro:

Capa comum: 344 páginas

Editora: Companhia das Letras (16 de outubro de 2017)

ISBN-10: 8535926550 – ISBN-13: 978-8535926552

Título Original: Never let me go

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2 comentários

  1. Ainda não li o livro mas assisti o filme, acho que a literatura deste enredo deve ser bem mais detalhado em comparação ao filme. Por se tratar de ficção tudo é possível, mas nem por isso impossível de estar ou ter ocorrido algo do tipo.
    Enfim, faz a gente refletir sobre a mente humana e até onde podemos chegar.
    Resumindo, interessante.

    Curtido por 1 pessoa

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