Boca de Cachorro Louco – Kah Dantas

“Boca de Cachorro Louco” foi um livro que eu recebi diretamente da autora, a Kah Dantas. Nosso contato se iniciou de forma bastante simples, mas olhando agora em retrospecto, de forma muito simbólica. Eu havia feito um post no Instagram sobre a leitura coletiva de “O Morro dos Ventos Uivantes”, e de alguma forma o post chegou até a Kah, que comentou que o livro foi muito marcante para ela. Hoje, depois de ter conhecido a história da Kah, consigo entender porque a principal obra de Emily Brontë lhe marcou tanto.

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Boca de Cachorro Louco é um livro autobiográfico, escrito de peito aberto pela Kah Dantas, que com muita coragem conta às pessoas sobre o relacionamento abusivo que ela viveu.

O livro é divido em vários capítulos, curtíssimos, o que me pareceu o formato perfeito. Diria que ele é escrito em prosa, mas com verdadeiros ares de versos, ora belo, ora obsceno (porque a poesia também pode ser tudo isso).  Embora seja um livro curto, não consegui lê-lo rapidamente. Cada pequeno capítulo foi para mim como uma pausa necessária, uma tomada de fôlego. Foi difícil, porque eu me vi naquelas páginas também. Foi uma leitura que me fez revisitar lugares em minha memória que eu sempre prefiro deixar de lado.

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Nunca fui agredida fisicamente, mas hoje eu penso que talvez fosse questão de tempo. Mas é preciso alertar que relacionamentos abusivos já o são se a pessoa simplesmente agride o outro verbalmente. A pior coisa que já me disseram veio do meu ex. E, assim como a Kah, eu me perguntava sim o que me impedia de ir embora daquele relacionamento. Eu também sabia, não havia “nada bom ali”. Mas, de verdade, até hoje não consigo explicar. Fui me anulando pouco a pouco, e é preciso um esforço enorme para sair desse buraco. Na época, eu acreditava que nunca mais ninguém iria gostar de mim, e então, eu ficava.

A história da Kah Dantas é muito pior, aos meus olhos, o que me leva a pensar que não deve ter sido nada fácil abrir-se com tamanha sinceridade. Mas é uma história que alguém precisa contar, que precisa chegar ao conhecimento de outras mulheres, para que elas enxerguem antes os sinais de um relacionamento abusivo, ou, para aquelas que já sabem que vivem um, tenham coragem também de deixá-lo.

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Voltando ao nosso  contato fortuito, meu e da Kah, eu vejo que O Morro dos Ventos Uivantes é realmente um ótimo livro para se entender a experiência de um relacionamento abusivo. O livro é classificado como um romance, mas um romance não necessariamente é romântico. Na verdade, o amor possessivo de Heathcliff é uma ideia pavorosa e perturbante, em que até a alma de Catherine deve-lhe pertencer. Boca de Cachorro Louco também é classificado como um romance autobiográfico. E também não é nada romântico.

Kah Dantas, felizmente, consegue transformar sua história em um relato que ela chama, com muita propriedade, de “exorcismo poético”: ela fez com que seus olhos cegos voltassem a enxergar. Voltar a enxergar, principalmente a nós mesmas, com o amor que merecemos, com a dignidade que merecemos, é libertador.

Espero sinceramente que o livro da Kah Dantas possa exercer seu papel de exorcismo poético em todas as mulheres que igualmente vivem ou viveram um relacionamento abusivo.

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Minha história, assim como a de Kah, não termina aqui, claro, mas encerramos um capítulo de nossas vidas. Particularmente, não sou do tipo que se arrepende. Creio que houve um grande aprendizado em minha vida. Se hoje eu não dou a mínima para o que as pessoas pensam de mim, é porque eu consegui escalar do fundo do poço onde eu estava. Ah, e eu esteva errada. Completamente. Eu não sabia na época, mas eu seria amada novamente, como nunca o fui. Nunca acreditem nas palavras das pessoas que só te colocam para baixo. Elas estão erradas.

Eterno agradecimento à Kah Dantas, por me lembrar que não devemos simplesmente nos silenciar e fingir que nada nunca aconteceu. É preciso que as pessoas entendam que relacionamentos abusivos acontecem com pessoas próximas, e que elas tendem a se calar. É preciso que elas saibam que podem se abrir, que não há nada de vergonhoso, pois não são elas que estão fazendo algo errado. Assim, Kah, pela sua coragem, pela sua luta e pelo seu incentivo a outras mulheres serem igualmente destemidas, eu a admiro.


Sobre a Autora:

Kah Dantas nasceu em 1991, é cearense, graduada em Letras pela Universidade Federal do Ceará e mestre em Literatura Comparada pela mesma instituição. Ler, escrever e comer são suas paixões desde sempre, e ela também adora viajar. Tem alguns contos publicados e premiados em concursos literários nacionais, apresenta seus textos sob a identidade literária Conta, Kah! (Tumblr e Instagram), tem um blog chamado Orgasmo Santo e este é o seu primeiro romance, publicado pelo Selo Editorial Aliás.


Selo Editorial Aliás:

Aliás é um coletivo formado por mulheres – de diferentes origens e saberes – que surge no mercado para produzir livros artesanais, zines e novos suportes para literatura. O principal objetivo do selo é viabilizar a publicação de mulheres artistas, a fim de abrir espaço e caminhos – ainda tão marcados pela hegemonia elitista e machista – no cenário cultural brasileiro. A Aliás surgiu em setembro de 2017 e conta com a participação de nove mulheres espalhadas entre Ceará, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Além da proposta de publicação, o selo tem o objetivo de promover ciclos de oficinas formativas voltadas para o mercado editorial, englobando desde a concepção do texto até o processo de produção e divulgação de eventos da área literária.

Contato: alias.seloeditorial@gmail.com

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6 comentários

  1. Os relacionamentos são complexos. Mesclam cultura, valores, etnias, percepções, autoestima, enfim inúmeros detalhes. Nada é perfeito. Durante nossa trajetória, possivelmente, encontraremos pessoas que acrescentam e as que tiram. É uma escolha ficar ou não com elas. Geralmente, nos direcionam conselhos que, muitas vezes, sequer ouvimos, tampouco aceitamos. As vezes, “por sorte”, escolhemos o “certo” ou fortuitamente nos direcionam a ele.
    Pela ligeira caminhada, que é a vida, vem à reflexão: Somos frutos do que plantamos?

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  2. Ainda na adolescência eu vivi um relacionamento abusivo e quando vejo relatos assim, me recordo desse momento triste pelo qual passei. Muitas pessoas julgam e questionam o porquê da pessoa continuar naquele relacionamento. Mas a verdade é que vc fica com autoestima lá embaixo e não tem força suficiente para abandonar. Muito triste, mas consegui me livrar. 😢😢😢

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    1. Sim, julgar é tão fácil, né? Mas as pessoas subestimam o fato de que essas pessoas estão fragilizadas e vulneráveis, por mais fortes e sensatas que sempre tenham sido. Fico feliz que tenha saído dessa, e agora temos uma leitora muito crítica e com muita bagagem! 😉

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