No fundo do oceano, os animais invisíveis – Anita Deak

O mais bem-escrito romance brasileiro que li nos últimos tempos conta a história de Pedro Naves desde sua infância até seu envolvimento na guerrilha do Araguaia, um movimento armado contra a ditadura militar em território amazônico, e pouco conhecido no restante do Brasil. Embora o livro não se preocupe em retratar o recorte histórico com fidelidade, é certamente uma homenagem a todos que bravamente lutaram.

A história se inicia na infância de Pedro, numa fictícia cidade de Ordem e Progresso, mas a narrativa segue em idas e voltas no tempo, seja pelo resgate da memória de Pedro, seja por delírios causados pelos militares que o perseguem. O protagonista não foi inspirado em ninguém, e aliás, a preocupação de Anita Deak não é apenas contar uma história por muito tempo envolta em silêncio ou dimensionar a importância de cada personagem nela, mas em como contá-la.

Toda frase é uma potência. E mesmo assim, a autora, recorrendo à metalinguagem ao descrever sua própria escrita como recurso narrativo, joga ainda ao leitor ainda outras possibilidades infinitas, lembrando-o de como a palavra é ao mesmo tempo rica e insuficiente para retratar todos os fatos, humanos ou não. Difícil ou não de descrevê-los, a crítica que fica no livro é que o homem não sabe de nada. Acreditamos poder escolher o que contar e o que esconder, mas para a natureza, nenhuma história passa despercebida. Nem mesmo a dos guerrilheiros do Araguaia. Em nosso imaginário, a natureza está distante, os animais estão mortos e invisíveis, no fundo do oceano, mas ela a tudo assiste e ela sim decide o que passa ou não.

Gosto muito de como Anita Deak retrata o desejo do homem de dominar a natureza, seja ao apresentar a própria família do protagonista, onde a tradição manda matar um animal para celebrar o nascimento de um homem entre os seus, seja com pequenas mas certeiras frases que ironizam nossa relação com os animais, as plantas, os rios, ou até mesmo na forma poética em que expressa essa mesma relação quando, por exemplo, Pedro entra no rio. O contraste entre a linguagem dos guerrilheiros que chegam ao Berocan (rio Araguaia) e a população local, há muito ali já habitando, também é retratado com enorme riqueza.

Os diálogos têm também uma enorme fluidez na narrativa, pois correm no texto livremente, sem aspas, sem travessões, sem pontos finais e parágrafos separando seus interlocutores, contando apenas com vírgulas como marcadores. Isso dá uma dinamicidade e uma intimidade maior com os personagens, já que o que vai dentro de suas cabeças se mistura com o que deles sai pela boca.

É claramente um livro que demandou muita pesquisa da autora, mas seu trabalho deixa muito claro que todo o esforço valeu a pena. Enfim, temos em mãos uma obra-prima, cuja capa metaforiza uma arte a ser emoldurada e ovacionada. Sugiro a todos que se interessem por ler o livro dar também uma pesquisada prévia sobre esse evento histórico para poder sentir melhor a lapidação feita pelas mãos da brilhante escritora.


Dados Técnicos do Livro:

Capa comum: ‎ 192 páginas
Editora: Editora Reformatório (17 dezembro 2020)
Autora: ‎ Anita Deak
ISBN-10 ‏ : ‎ 6588091044 –ISBN-13 ‏ : ‎ 978-6588091043
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