Arrume a sua cama – William H. McRaven

Me falaram tanto deste livro que resolvi ler, já que ele estava disponível na época no Kindle Unlimited (empréstimo em maio de 2022). O título dele, não vou mentir, me soa muito atraente. Sou o tipo de pessoa que gosta de arrumar a cama. Claro que com a maternidade tive que abrir algumas exceções. Tem dias que a cama fica desarrumada, e vida que segue, porque com um zilhão de coisas para tentar dar conta (a gente não dá), arrumar a cama não parece tão importante assim nessas horas.

Mas eu entendo o “propósito” por trás do ato. E achei que o nome do livro realmente fisga potenciais leitores como eu. Arrumar a cama é um ato simples, rápido, e que faz você começar o dia cumprindo uma tarefa. E, sim, sentimento de missão cumprida faz muito bem pro nosso ego. Só que tive alguns contratempos com essa leitura, e, infelizmente, não consegui entender por que ele é um best seller.

Há algumas verdades no livro que todo mundo sabe: a vida tem muitos desafios, muitas coisas que não podemos controlar, mas existem pequenas coisas na nossa vida que podemos fazer para torná-la mais fácil, mais “navegável”, pra usar um termo que combina com a carreira do autor (Marinha – EUA). Mas tem alguns pontos do livro que não concordo ou não entendi a “metáfora”.

Veja esse trecho:

“Não importa o gênero, a etnia, a formação religiosa ou a condição social. Nossas lutas neste mundo são semelhantes, e as lições para vencê-las e andar para a frente – para mudar a nós mesmos e ao mundo que nos cerca – se aplicam igualmente a todos”.

Quando me deparei com esse trecho, senti um enorme desconforto. Porque discordo que nossas lutas sejam semelhantes, independente de gênero, etnia e condição social. Mulheres têm uma realidade totalmente diferente da dos homens, basta ver o noticiário aqui no Brasil nos últimos tempos. Ninguém nunca vai cobrar a questão do aborto de um homem da mesma forma que o direciona a uma mulher. Da mesma forma, o estupro, por mais que a lei hoje não diferencie entre o gênero da vítima, as estatísticas estão aí para apontar qual o gênero que mais sofre com essa violência sexual. Etnia também. Se não importasse, não haveria necessidade de discutir sobre as microagressões que um asiático sofre e diferenciá-los do preconceito e do racismo dirigidos a pessoas de cor negra. A semelhança que o autor fala é muito rasa na minha opinião, no sentido de que todos precisamos de saúde, de uma fonte de renda, por exemplo, mas ignora todos os desafios que se somam na luta de milhares de pessoas que não se encaixam no perfil dele: homem, cis, branco.

Mas esse foi apenas o último dos trechos que destaquei enquanto lia. A afinidade com a leitura, na verdade, já morreu com o término do primeiro capítulo, infelizmente. Digo infelizmente porque eu esperava que o livro fosse me cativar, o que não aconteceu. Todo capítulo começa com uma epígrafe dizendo “se você quer mudar o mundo…” faça tal coisa. Mas a maioria deles eu terminei não conseguindo correlacionar a história narrada no capítulo com o “faça tal coisa”. Não porque eu seja ruim de interpretação. Não sou. O fato é que, para mim, a escrita dele não é boa, simplesmente. Acho que tem uma grande diferença entre você se submeter a um treinamento rígido, visando sua carreira nas Forças de Operações Especiais da Marinha e enfrentar desafios na vida que não foi você quem escolheu estar ali. Tudo bem, tem a questão do alistamento obrigatório, embora eu não saiba dizer se foi o caso do autor, o que quero dizer é que a narrativa escolhida por ele, de contar todas as dificuldades durante sua carreira como SEAL não me convenceu como uma grande metáfora para as lições da vida de qualquer pessoa.

De todo modo, este é um livro bem curto, e foi a única motivação que encontrei para terminá-lo: o desafio de vencer aquelas poucas e sofridas páginas. Esse sentimento foi o único que consegui levar como uma boa metáfora de não desistir. Até escolhi um trecho com o qual me identifiquei:

“A lama se grudava em toda parte do corpo. Era tão densa que se mover por ela exauria nossas forças e punha à prova nossa vontade de prosseguir”.

Pois é, fui posta à prova também para prosseguir na leitura, que me parecia essa lama pegajosa.

Um porém louvável: não quer dizer que eu não admire a história pessoal do autor. O pouco que ele conta, na verdade é bem interessante, só não acho que ele seja a melhor pessoa para transformar a narrativa de sua trajetória em conselhos, uma biografia seria mais adequada. Mas, novamente, a escrita não parece ser o seu forte, e, se esse fosse o caso, espero que ele encontre alguém que o faça por ele.


Dados Técnicos do Livro:

Formato: E-book para Kindle, ‎ 96 páginas
Autor: Willian H. McRaven
Editora ‏ : ‎ Academia (3 agosto 2017)
ASIN ‏ : ‎ B074JMGQY1
Tamanho do arquivo ‏ : ‎ 2951 KB
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2 comentários

  1. Penso que quando ouço falar em “best seller”, dou-me cuidados extras: de que mais vendido não significa bom ou melhor, de que é preciso verificar quem o define com esse título, cuja utilização tenciona o aumento das vendas e quem sabe aí tranformá-lo em um “best seller” de fato.

    Sobre o assunto, é bastante provável que ele seja um best seller. É cada vez mais comum isso acontecer, obras preguiçosas serem as mais vendidas. Quando uma obra de arte de massas alcança sucesso de vendas, rapidamente sua concepção básica é copiada por muitas outras pessoas. Com o interesse ininterrupto de pessoas por livros de autoajuda e manuais para a vida, tornam-se grande fonte de renda para quem os produz. Neste caso, o sucesso de militares de elite da marinha estadunidense como David Goggins e Jocko Willink — cujas mensagens aprecio — em lançar livros e vídeos ou podcasts estimulou a mesma iniciativa por outros militares aposentados. Como em toda área de atuação humana, nem todas as pessoas levam jeito para a coisa ou se esforçam para o aperfeiçoamento do que produzem, e acabam por oferecer obras inferiores ou medíocres ao público.

    Acerca da primeira parte destacada, “(…) Nossas lutas neste mundo são semelhantes, e as lições para vencê-las e andar para a frente (…) se aplicam igualmente a todos”, imagino que possivelmente o autor quis dizer que como seres humanos todos temos medos, inseguranças, desânimos, preguiça, ódios, sonhos e personalidade únicas e que temos de nos esforçar para nos tornamos pessoas mais maduras, sábias e independentes. Não posso afirmar que essa foi a mensagem do autor, mas como bem apontastes, Isa, escrever não parece ser seu forte. Pode ser que ele tenha sintetizado ideias sem explicá-las adequadamente, o que deu margem a interpretações conflitantes, e que talvez não fossem interessantes a um livro que se propõe a explicar formas de ver a vida, pensar e agir. Ou ele só visse o mundo pela visão de um homem branco rico hétero e militar, que vive em um ambiente onde a disciplina e a hierarquia absolutas são os valores a serem seguidos. No mundo real, fora do meio militar profissional, as disciplinas e os valores são múltiplos, bem como as dificuldades, possibilidades e complexidades de cada contexto.

    Ainda pesquisei sobre esse autor, Willian H. McRaven, ele é um oficial aposentado de alta patente da marinha. Filho de oficial, estudou em ótimas escolas, graduou-se em Jornalismo. Ele não passou por treinamentos rigorosos como os praças. Ao contrário dos autores que citei, que viveram no extremo do sofrimento físico e mental impostos pela disciplina do militarismo de elite. E um deles, David Goggins, antes era pobre, obeso, foi vítima de bullying no colégio por ser preto (picharam “We will kill you, nigga” no capô do carro dele), trabalhava com desinsetização de baratas, não tinha pai.

    Desde cedo, percebi que as pessoas que não vêm de baixo costumam acreditar que tudo é uma questão de esforçar-se apenas. Quem vem de baixo sabe que é preciso muito mais do que muito esforço para conseguir algo distante da sua realidade. É preciso uma fé gigante, conseguir uma oportunidade, um esforço colossal, um sofrimento enorme e prolongado, ajuda, sorte, e “engolir muitos sapos” (assédio moral e outros), para chegar em algo que lhe seja possível.

    E por fim, tenho saudade das fotografias dos livros nas postagens, são inspiradoras.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Olá, sempre bom poder interagir com você!
      O fato de o livro ser um best seller não foi o que me levou a ler o livro, e sim o fato de eu ter recebido indicações. Mas também acho que tenha se tornado um best seller por tudo o que você apontou. Infelizmente, não conhecia esses militares que você falou, mas provavelmente eu iria gostar mais da leitura. Esse McRaven deve ter pego carona mesmo.
      Quanto ao parágrafo que destaquei, eu tenho certeza que o autor quis dizer sobre nossas semelhanças da forma que você também o entendeu, mesmo só o lendo através de um recorte meu. Mas é exatamente isso. Eu entendi o que ele quis dizer, mas achei que ele o disse mal. Acho que o jeito que ele escolheu de abordar o assunto acabou fazendo com que ele soasse um “meritocrata”, ainda que talvez ele não o seja.
      Minha maior crítica ao livro é acerca da escrita dele. Não questiono sua credibilidade e nem retiro todo o mérito de sua carreira que supostamente ele tenha, eu realmente apenas não consegui achar coesão e coerência no texto dele e achei que faltou cautela na hora de tratar alguns tópicos. É isso, rs.
      Também sinto falta de poder trazer mais fotos autorais por aqui, mas é o reflexo de muitas leituras feitas no celular atualmente.
      Também tenho interagido menos pela falta de tempo. Quem sabe uma hora consigo voltar mais à ativa?

      Curtido por 1 pessoa

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