The Great Passage – Shion Miura

The great passage (Tradução livre: A grande travessia)

Sinopse:

Kohei Araki foi um editor no departamento de dicionários da Gembu Books por muitos anos. Sua carreira na área de edição de dicionários soma mais de 37 anos, mas chegou a hora de se aposentar. Um grande projeto repousa nas mãos do departamento, para que um novo dicionário seja lançado sob o nome do grande lexicógrafo Prof. Matsumoto. Assim, antes de deixar de vez o trabalho, Araki se empenha em encontrar um substituto para si que possa assessorar o Professor. Alguém jovem e promissor. Um dos funcionários do departamento que parece mais leviano diz que conhece a pessoa certa para o cargo, e indica o nome de um jovem do Departamento de Vendas: Majime. O nome não poderia ser mais significativo. “Majime” pode ser traduzido como “diligente”, e Araki se impressiona, supondo tratar-se de um apelido. Ao ir atrás do rapaz, encontra um rapaz de cabelos desgrenhados, que parece não se importar muito com a aparência, mas cuja forma de pensar é intrigante. De fato, Mitsuya Majime tem tudo para se tornar um grande dicionarista e levar adiante o projeto. E é o desenvolvimento de ambos, do projeto e de Majime, que iremos acompanhar neste romance.

Esse é um livro para apaixonado por palavras e seus mais incógnitos significados, para pessoas que, como eu, de alguma forma, já se sentiram acolhidas pelo poder delas e da capacidade de nos entreter e nos deslumbrar. Para quem gosta de livros sobre livros, irá encontrar uma pegada bem diferente aqui, até porque um dicionário não é um livro qualquer.

Minhas impressões sobre o livro:

Esse foi um livro absolutamente delicioso de ler para mim, mesmo que talvez o desfecho para mim tenha avançado mais do que o necessário. Foram inúmeras as passagens dele com as quais me identifiquei muito, inclusive de forma bastante tangível. Vou abrir um parênteses aqui para explicar.

Não sei vocês, mas, com a pandemia, fui perdendo alguns hábitos e tendo de me reconectar com eles novamente aos poucos. Por quase não sair de casa nos dois primeiros anos, levando sempre o mínimo necessário (porque só de imaginar o trabalho de higienizar tudo depois de volta em casa me cansava), uma das coisas que estou tendo que reaprender é de simplesmente relaxar nas salas de espera de consultórios médicos e ler algum livro enquanto aguardo minha vez. Lembro que as primeiras vezes que tentei ler assim eu não conseguia me concentrar, a leitura não me prendia, e depois em casa eu tinha de voltar todas as páginas e lê-las novamente. Mas numa das minhas últimas consultas, coincidiu de eu estar lendo “A grande passagem”, e a conexão foi praticamente instantânea. Não tinha nem lugar para sentar, e mesmo assim, em pé, escorada na parede, me peguei totalmente imersa nessa leitura.

Nada de muito extraordinário acontece na história, sendo bem franca, mas essa não é uma leitura para quem ama reviravoltas. É uma narrativa focada na elaboração do dicionário, em toda sua cadeia produtiva. Pode parecer monótono à primeira vista, porque não é o tipo de história onde se encontra uma verdadeira aventura, no seu sentido mais lúdico, mas não deixa de ser um empreendimento, uma jornada, à sua própria maneira. E o mais interessante é justamente isso, transformar toda essa sucessão de pequenos feitos editoriais da produção de um dicionário em algo fascinante, simplesmente porque há pessoas envolvidas no processo. E pessoas possuem suas próprias histórias, singulares e extraordinárias toda vez que as luzes do holofote recaem sobre elas. Embora essas histórias pessoais sejam apenas mais aprofundadas com relação a alguns personagens, a dinâmica funciona bem: um novato que já tinha o perfil exigido para o departamento, mesmo antes de estar ali; um veterano do setor que o deixa por entender que não tem o perfil adequado; e outro que cairá de paraquedas no setor, achando que não deveria estar ali, quando deveria estar.

O título escolhido em inglês para mim foi certeiro. “A grande passagem” é o nome escolhido para o então dicionário em desenvolvimento. Araki e o Prof. Matsumoto pensaram no nome porque veem o universo das palavras como um grande mar, com todas suas tempestades e ondulações, mas também com sua calmaria. O objetivo de um bom dicionário é ajudar nessa travessia, é fazer essa “grande passagem” pelo mar e chegar do outro lado, com uma mensagem de uma pessoa a outra, de modo que o pensamento de uma chegue à outra da forma mais acurada possível, sem que a verdadeira intenção das palavras afunde para sempre nesse vasto mar.

A nota de 3,5 estrelas que dei, conforme algumas pessoas que me acompanham no instagram viram, foi devido a achar que o desfecho foi um pouco prolixo, apesar de óbvio, o que é uma pena, num livro que pra mim tinha tudo para ser favoritado. Veja bem, o problema não foi a obviedade do fim, que, sem spoilers, vai, é a publicação do dicionário, mas sim a forma como a autora o trouxe. Tem uma passagem espetacular aos 95%, que fez valer a pena toda essa lenta finalização, mas senti a necessidade de algo mais célere nesse capítulo 5, que foi o único momento que bateu uma certa monotonia para mim.

Por fim, acredito que no original (japonês), essa seja uma leitura muito mais rica, já que ao longo dela encontramos diversos verbetes sendo discutidos pelos editores e a responsabilidade deles de trazer um dicionário mais moderno possível, livre de julgamentos, de parcialidade, de discriminações, e sem a visão do que é tido como padrão: homem, branco e rico. Sim, esse livro é cheio de aprendizados. No inglês, sem a possibilidade de entrar em contato com a grafia dos termos em “kanji”, ainda assim, foi muito proveitosa para conhecer algumas expressões idiomáticas e palavras que não conhecia em japonês (meu conhecimento da língua é pequeníssimo). No português, se um dia traduzido, acredito que funcionaria da mesma forma para qualquer leitor.

Uma leitura certamente recomendada!


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