Os melhores livros que lemos são, sem dúvida, os mais difíceis de resenhar. Parece que nada do que queria dizer faz jus à experiência em si de ter lido algo tão maravilhoso. Mas não falar me parece pior, então, se minhas impressões não te convencerem, espero que as citações trazidas aqui o façam.
Minhas impressões sobre o livro:
A vocalista e guitarrista de Japanese Breakfast, Michelle Zauner, nesta autobiografia, abre seu coração ao contar sobre sua infância e seu luto, pela morte da mãe tão precocemente. Filha de pai norte-americano e mãe sul-coreana, passou anos buscando pertencimento, e, com a perda da mãe, sentiu a necessidade de legitimar sua metade sul-coreana.
Esse pertencimento, no livro, diz respeito à realidade vivida por milhões de filhos de imigrantes, sobretudo de coreanos, mas qualquer busca por pertencimento me parece ser inerente ao ser humano. É por isso que é tão fácil se identificar com os sentimentos de Michelle.
Por ser uma autobiografia, a narrativa parte sempre do olhar de uma filha, mas achei igualmente válido fazer essa leitura pelo olhar também de uma mãe (o que passa a ser algo indissociável depois que se torna uma). Digo isso porque Michelle, no início do livro, reforça a ideia, na qual ela cresceu acreditando, de que era uma criança difícil. Longe de mim querer julgar o maternar alheio, mas olhando apenas como alguém que hoje também é uma mãe, é um rótulo que temos de começar a abolir do nosso vocabulário. Não consegui enxergar a “criança difícil” que ela diz ter sido, simples assim.
Dito isso, o livro é também uma linda homenagem à mãe, porque deixa muito evidente que a mãe, a nossa mãe, que nós amamos, não é perfeita, e isso não diminui em nada a intensidade do nosso amor por ela.
“Em um intervalo de cinco anos, perdi minha mãe e minha tia para o câncer. Então, quando vou ao H Mart*, não estou apenas em busca de frutos do mar e três ramos de cebolinha por um dólar; estou à procura de memórias. Estou colhendo evidências de que a metade coreana de minha identidade não morreu quando elas morreram.” p. 18
O primeiro capítulo, que leva o mesmo título do livro, é uma ótima amostra da carga emocional que o leitor irá encontrar no decorrer de suas páginas. É extremamente genial e tangível a forma como a autora relaciona a culinária coreana com suas memórias afetivas, porque comida tem esse poder, e é nessa dimensão que mergulhamos, tão familiarizados com nossas próprias lembranças em torno da comida, ainda que não conheçamos nenhum dos pratos mencionados no livro.
Eu me peguei chorando em várias passagens do livro, porque só posso imaginar quão doloroso é perder alguém que amamos tanto, e repassar tantos momentos vividos juntas, para finalmente entender todos os muitos jeitos singulares dessa pessoa nos demonstrar amor.
“Que reviravolta cruel do destino, pensei, com o rosto ficando vermelho enquanto segurava as lágrimas. Eu tinha passado toda a adolescência tentando me misturar aos meus colegas dos subúrbios dos Estados Unidos, e tinha chegado à maioridade sentindo que o meu pertencimento era algo a ser provado.” p. 130
“Mesmo naquele tempo, eu já devia saber que ninguém jamais me amaria tanto quanto ela”. p. 235
Com certeza, um dos meus favoritos do ano, já adianto. Vi também que foi um dos livros favoritos de Barack Obama em 2021. É um livro que vale uma chance.
*Nota:
H Mart é uma rede de mercados especializada em comida asiática nos Estados Unidos. O H significa han ah reum, uma frase coreana que se traduz mais ou menos por “compra a braçadas”.
Informação extraída do próprio livro.
Dados Técnicos do Livro:
- Capa comum: 288 páginas
- Autora: Michelle Zauner
- Tradução: Ana Ban
- Editora: Fósforo Editora; 1ª edição (18 outubro 2022)
- Título original: Crying in the H Mart
- ISBN-10 : 6589733686 – ISBN-13 : 978-6589733683
A resenha é impecável. Enquanto lia, eu “enxergava” os fatos acontecendo, o que aguçou a vontade de ler o livro.
Espero em breve que isso aconteça.
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Olá, tudo bem? Gostaria de saber se desapegou dos seus intrinsecos, estou a procura do livro 002, você ainda o tem? Se sim, me venderia?
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