A Arte do descaso foi um livro que eu comprei logo depois que voltei da viagem de Buenos Aires em julho de 2016, após ter sido devidamente “exposta” ao mundo da arte, tanto da capital portenha como também em decorrência da minha viagem à Holanda em setembro de 2015.
Foi um daqueles livros que eu bati o olho e me chamou imediatamente a atenção. Tudo por conto do subtítulo: A história do maior roubo a museu do Brasil. Fiquei curiosíssima. Eu nem sequer sabia que já havia tido algum caso de roubo em museu no Brasil.
Cristina Tardáguila, a autora do livro, traz a conhecimento do público não apenas um caso de roubo a museu de arte no Brasil, mas um dos dez maiores roubos de arte do mundo! Pelo menos segundo o FBI (no site da Forbes está disponível a lista, e o caso abordado no livro ocupa o oitavo lugar da “lista” dos 10 maiores roubos de arte do mundo).
O caso se deu no Museu Chácara do Céu, no Rio de Janeiro, em 24 de fevereiro de 2006. Na fatídica data, ladrões levaram, em pleno carnaval, um Monet, um Matisse, um Picasso, um Dalí, e um livro de gravuras.
Tardáguila pensou inicialmente, e talvez muito inocentemente, que conseguiria, sozinha, desvendar o paradeiro das obras roubadas. Foi então que em 2011 ela se pôs a investigar o roubo, e, em seu imaginário, o livro seria um verdadeiro relato verídico, no melhor estilo thriller policial, com um final bem sucedido. Mas na realidade, infelizmente para o Brasil, o que temos é um verdadeiro manifesto quanto ao despreparo e – como o título já deixa entender – descaso do nosso país (não apenas da Polícia e do Ministério Público) para lidar com o assunto ARTE.
É verdade que há obras desparecidas até hoje em outros países também, que já têm muito mais anos de experiência – e frustrações – com relação a roubos de obras de arte. Recentemente, inclusive, o jornal El País divulgou que o museu de Boston Isabella Stewart Gardner ofereceu a maior recompensa da história para tentar recuperar obras que foram roubadas em 1990 (esse caso, aliás, ocupa o segundo lugar na lista mencionada acima). Mas o que ainda não está incorporado na mentalidade dos brasileiros é a importância que deve ser dada aos crimes contra a arte.
Roubo de arte não é um crime pequeno, entendam isso de uma vez por todas. Estimativas muito conservadoras divulgadas pelo FBI em 2004 indicam que o roubo de arte gira em torno de 6 bilhões de dólares por ano em todo o mundo.[…] Isso o transforma no terceiro crime mais lucrativo, atrás apenas do tráfico de drogas e de armas.
Da leitura do livro, fica muito claro que roubo de arte se enquadra nos crimes organizados. Para ficar bem fácil de entender, Tardáguila ainda nos relata que participou de um dos maiores eventos do mundo sobre roubo de arte, na Itália, onde conheceu Noah Charney. Noah é americano, formado em História da Arte, e fundou em 2007 a “Arca”, entidade que reúne profissionais de diversas áreas de conhecimento para debaterem sobre crimes contra patrimônio histórico e cultural. Numa de suas aulas desse evento que Tardáguila esteve presente, Noah apresentou num telão a foto de um dos terroristas responsáveis pelos atentados de 11 de setembro em 2001, nos EUA, e explicou aos participantes:
É esse o tipo de gente que se beneficia do roubo de arte hoje […] E há provas disso. Em julho de 2005, a revista alemã Der Spiegel publicou uma reportagem revelando que, em 2000, Mohammed Atta [da foto] procurou um professor da Universidade de Göttingen, na Alemanha, tentando vender arte afegã, peças da Antiguidade visivelmente roubadas. Ao ser questionado sobre sua necessidade de fazer dinheiro, Atta não se esquivou. Disse que queria comprar um avião. […]
A máfia e o crime organizado sabem, há mais de cinquenta anos, que roubar arte é bem mas fácil e possivelmente mais lucrativo do que roubar banco. Sabem que uma pintura pode valer muito mais do que um carro ou um cofre e que é, evidentemente, mais simples de ser transportada e escondida. Então, mergulharam de cabeça nesse tipo de ação.
Você já parou para pensar em tudo isso? Isso é assustador. E se você ler o livro, vai perceber como a ação dos criminosos envolvidos no roubo na Chácara do Céu realmente não tem nada de excepcional. Nada do tipo Thomas Crown, não. Havia pouca segurança, pouco investimento em segurança e muita negligência quanto à segurança. Simples assim.
Esse então foi um livro que eu li muito rápido, absorvida totalmente na narrativa, e também ficando cada vez mais estarrecida com o fim – ou “não-fim” – que o caso teve, com a forma que a investigação foi perdendo vigor. Mesmo que você não seja nenhum grande apreciador de arte, pode ter certeza que é um livro que vai te prender. Os capítulos são estruturados de forma que o leitor não se canse de maneira alguma: são curtos, de linguagem fácil e com uso de discurso direto em muitas informações que são dadas, tudo para não ficar com cara de estudo de história da arte monótona, mas ainda conservando a seriedade da coisa.
Crimes cometidos contra a arte é um assunto que passa batido para milhares de pessoas, mas eu com certeza fiquei muito interessada após a leitura do livro. E se, mesmo sem ainda ler o livro você também ficou, vou deixar uma dica aqui. Primeiro claro, leia o livro, e se quiser se aprofundar um pouco mais, existe um curso totalmente gratuito, em inglês, disponibilizado pela Universidade de Glasgow em parceria com a Future Learn. O curso chama-se Antiquities Trafficking and Art Crime, e tem duração de 3 semanas. Você pode acessá-lo clicando aqui. Eu ainda não fiz, mas está na minha lista de cursos que quero muito fazer (tem tantos interessantes nesse site!).
Quem sabe despertando aos poucos o interesse pela Arte nos brasileiros se não for para termos o caso da Chácara do Céu solucionado e nossas obras trazidas de volta ao público, pelo menos evitar que outros crimes como este ocorram, simplesmente porque há mais pessoas que valorizam obras de arte. Não custa sonhar. Um desejo tão inocentemente ambicioso como o desejo inicial de Tardáguila.
Eu penso que já ouvi falar desse crime ocorrido no Rio. Entretanto, não havia pensado sobre a vantagem criminal de roubar arte com alto valor financeiro.
A arte é valorizada por pessoas educadas e cultas, de qualquer classe social. Mas falando de educação e cultura no Brasil, lembro da epidemia nacional de analfabetismo funcional e compreensão cultural ao nível de Anitas, Sertanejos Universitários, Pablos Vitares.
Aqui cultura é bunda, BBB, futebol de baixa qualidade, canções com letra, voz e melodia pobríssimas e discussão política em modo irracional e irado.
A educação parece preceder a boa cultura.
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