Anna Karenina – Liev Tolstói

Anna Karenina e Leitura Coletiva

Li Anna Karenina em leitura conjunta, idealizada e organizada pela @leiacarlaleia. Sinceramente, me pergunto se conseguiria levar a leitura adiante sem os debates mensais do livro, não porque não gostei do livro (é um livro e tanto!), mas porque a edição que tinha aqui em casa era uma em inglês, da Wordsworth Classics, que consegui através de uma troca. Eu não me sentia preparada para ler um clássico de tamanho peso em inglês, e sozinha eu com certeza teria muito mais dificuldades. Então, obrigada, Carla e todas as meninas que participaram.

Independente de qual for a edição ou o idioma no qual você gosta/costuma ler livros, se o volume de Anna Karenina lhe parece um pouco intimidador (como o era para mim), eu recomendo dois tipos de leitura: a leitura sem meta e sem pressa ou a leitura coletiva. Embora em alguns momentos isso de ter metas mensais para ler determinada parte do livro (o livro é dividido em 2 volumes, 8 partes no total), fosse um pouco cansativo para mim, a questão dos debates e o fato de não querer perder nenhum deles impulsionou bastante minha leitura.


Quanto à Escolha da Edição

Dê preferência para traduções que sejam feitas diretas do idioma original da obra, para haver menos interferência. Essa é uma opinião minha, claro, mas tem se mostrado um bom critério na hora de escolher uma edição para leitura de clássicos principalmente. Gostei bastante da tradução dessa minha edição, feita por Aylmer e Louise Maude, Aylmer Maude nasceu na Inglaterra mas foi estudar na Rússia entre 1874-1876, e Louise Shanks, de família inglesa, nasceu na própria Rússia. Ambos vieram a se casar, adotando Louise o sobrenome Maude. Juntos, o casal traduziu vários dos trabalhos de Tolstói e uma das irmãs de Louise chegou a ilustrar para um livro do escritor ¹.

Ainda, sobre minha edição, acho interessante destacar que as edições da Wordsworth Classics têm a proposta de atrair a um público bem amplo de leitores e estudantes, com introduções livres de jargões técnicos, e, no caso de Anna Karenina pelo menos, com poucas mas curiosas notas que vão facilitar a leitura. Digo poucas porque são apenas 111 notas distribuídas por todo o calhamaço. As expressões em francês todas estão traduzidas no rodapé, o que para mim facilitou bastante, e, no geral, tirando o contexto da Rússia na época em que o romance foi escrito, que eu desconhecia, a escrita de Tolstói é realmente muito acessível.

Há dezenas de personagens na história, e, para facilitar, a maioria das edições conta com uma lista de personagens, fazendo a relação entre os personagens: irmão, pai, mãe, filho de quem ou amigo de quem (algumas edições têm até árvore genealógica). A minha conta apenas com uma lista de personagens que irão aparecer no primeiro volume e depois no segundo volume.

Sumário

Ainda em termos de introdução, há também uma lista de termos russos que não foram traduzidos, mas cujo significado, ideia ou conceito são apresentados para o leitor (medidas, e órgãos políticos, por exemplo).

A leitura das introduções em geral é recomendada ser feita depois da leitura da obra em si, pois a maioria também contém spoilers!

[1] Fonte: wikipedia


Minhas Impressões sobre a leitura

Retomo falando da escrita de Tolstói: ela é simples de um jeito fascinante. Nada está sobrando ali no livro; mesmo em 800 páginas de romance, o texto nunca é prolixo, tudo ali vertido no papel apenas oferece ao leitor o recurso necessário para uma experiência de profunda imersão na história.

Você poderia pensar “ah, mas com 800 números de página qualquer um consegue um nível de descrição que faça o leitor se sentir realmente dentro da história”. Discordo. A excelência da escrita de Tolstói é justamente a sua simplicidade. Não é nunca um texto pomposo, e mesmo quando se utiliza de termos estrangeiros (como expressões francesas), é sempre no intuito de retratar a nobreza tal qual ela era à época, e não para rebuscar ou tornar a leitura mais dificultosa para o leitor. Mesmo quando o escritor se vale das analogias para descrever os sentimentos dos personagens, a assimilação é instantânea.

Falando em personagens, adianto que a grafia dos nomes que utilizo em minha resenha é a mesma escolhida pelos tradutores na minha edição. Portanto, se você procurar outras resenhas, pode haver algumas diferenças. Isso também diz respeito à escolha do tradutor, e optei por respeitá-la aqui.

O livro traz duas linhas narrativas e, portanto, dois protagonistas: Anna Arkadyevna Karenina (Anna Karenina) e Constantine Dmitrich Levin (Levin). Pode causar certo estranhamento essa informação, já que o título do livro é justamente Anna Karenina. Mas descobri, após a leitura, através da resenha da Isabella Lubrano (do Ler Antes de Morrer) que Tolstói cogitou ainda dois outros títulos: Dois Casais ou Dois Casamentos (que fariam sentido, mas talvez não tivessem o mesmo impacto).

Anna Karenina é uma mulher muito bem conceituada, integrante da aristocracia russa, respeitada e casada com um homem de importante cargo político, com quem também tem um filho. Ela também é detentora de uma beleza deslumbrante e de um poder de sedução inquestionável, além de muito bem articulada e engenhosa. A trama se inicia com ela indo a Moscou visitar seu irmão Steve (Stephen Arkadyevich Oblonsky), no intuito de salvar o casamento, já que Dolly (Darya Alexandrovna), a esposa, descobre sobre a infidelidade do marido. Durante a viagem de São Petesburgo a Moscou, Anna conhece a mãe de Conde Vronsky, com quem passa a viagem conversando. Ao desembarcar, ela acaba conhecendo o Conde Vronsky em pessoa, já que ele é amigo de Steve. Ao mesmo tempo, Levin também vai a Moscou, com a intenção de pedir a mão de Kitty, irmã de Dolly, em casamento, mas é alertado por seu amigo (também o Steve) de que ele tem um “rival”: o Conde Vronsky.

Há um baile, a que Kitty e Anna vão, e lá Anna e Vronsky se encontram novamente, e acabam se apaixonando. O problema? Kitty estava esperando que Vronsky lhe pedisse em casamento. Agora Anna terá de decidir se continuará uma vida de aparências com seu marido, Karenin (Alexos Alexandrovich Karenin), respeitando a instituição do casamento, ou se se entregará ao amor de Vronsky, enquanto Kitty se vê humilhada e enganada por Vronsky, e pior, tendo recusado o pedido de Levin.

Sem dúvida, essa é uma história sobre o caso extraconjugal envolvendo Anna Karenina, mas também é uma história sobre a vida de Levin e seus ideais. A frase inicial do livro é uma das mais famosas da história da literatura, e resume bem na verdade a ideia toda de ambas as tramas: “Todas as famílias felizes se parecem; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira”.

À primeira vista, com essa sinopse, ficamos bem com a ideia de mais uma fórmula de novelão. Pode até ser, mas a forma como Tolstói trabalha toda a escrita é um feito inigualável que explica porque o livro é tido como uma das mais importantes obras de literatura de todos os tempos. Os personagens são muito complexos, muito humanos. Embora Tolstói tenha escrito a obra com seus valores da época, que condenava a mulher adúltera, o leitor ou a leitora de hoje pode muito bem fazer uma leitura completamente diferente da obra, já que há um distanciamento da opinião do autor. Claro que é muito bem possível ver certos contrastes entre a traição de um homem e a traição de uma mulher, mas para quem faz uma leitura sob uma perspectiva feminista da obra encontra no mesmo texto argumentos para criticar tal conduta, e não para acatá-la.

Ainda, impressiona o fato de que a narrativa de Tolstói simula a vida e dissimula a arte, quando o que realmente está acontecendo é uma arte tão primorosa de escrita que parece tão real quanto a vida. Os personagens, por exemplo, com seus dramas, sendo tão humanos, não são jamais totalmente condenáveis ou totalmente amáveis pelos leitores, porque, cada um, com suas múltiplas camadas muito bem trabalhadas, lembram as pessoas comuns à nossa volta (ou até a nós mesmos), com suas qualidades e defeitos, e, ainda, com condutas que poderiam muito bem ser as nossas, ou, quando não o são, Tolstói faz questão de expor todo o conflito interno pelo qual o personagem passa ao agir de tal ou tal maneira. Impossível não se colocar na pele de cada um deles.

Até quando há partes mais enfadonhas, dedicadas a pequenos monólogos de seus personagens (sobretudo Levin), eu me peguei sorrindo uns pares de vezes, por até em certos tédios me identificar com o tédio e o desinteresse dos personagens. Esse livro é brilhante em todos os níveis.

Minhas marcações

É interessante, também, saber que o livro foi escrito entre 1873 e 1877. Quando a obra passou a ser publicada numa revista, Russian Herald, em 1875, em forma de folhetim, Tolstói ainda nem havia terminado a obra. Também, na revista não saiu o livro completo, já que por divergências políticas entre o escritor e o seu editor, a parte VIII não foi publicada. Somente em 1878 é que, pela primeira vez lançado em forma de livro, é que Anna Karenina foi publicada em sua integridade.

Acredito que anos e anos irão se passar e essa obra continuará a ser aclamada pelo público. Um livro que requer paciência e dias (no meu caso, meses) de imersão, mas cuja leitura prazerosa em quase sua totalidade compensa a dedicação exigida por tudo o que é possível dela extrair e pela impressionante forma a que somos levados a encarar um sentimento ou um pensamento alheio como nosso, ou talvez, melhor dizendo, como universal.


Dados Técnicos do livro:

Capa comum: 813 páginas

Autor: Leo Tolstoy (Liév Tolstói)

Editora: Wordsworth Classics (1995 – com novas introdução e notas adicionadas em 1999)

ISBN: 9781853262715

Idioma: Inglês britânico

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