A arte de ler ou como resistir à adversidade – Michèle Petit

Tudo quanto envolva o maravilhamento e o poder da leitura me interessa. A literatura, os livros e o ato de ler exercem sobre mim um fascínio tão grande que às vezes não encontro palavras para expressar esse encanto.

Mas descobri que não estou sozinha em meio a esse embevecimento com A arte de ler ou como resistir à adversidade. Nele, a antropóloga francesa Michèle Petit compartilha suas investigações acerca da arte de ler em contextos de crise, um tema que a deixou impressionada quando começou a estudar as questões que envolvem a escrita, a leitura e o lugar do leitor, no início dos anos 1990, junto ao Laboratório de Dinâmicas Sociais e Recomposição dos Espaços – CNRS, França. Petit frequentemente deparava-se com jovens das periferias francesas que recordavam a importância que a leitura tivera na “construção de sentido” em situações difíceis.

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Assim, após tal estudo, Petit nos brindou com a obra A arte de ler ou como resistir à adversidade, que, de forma muito bem estruturada, reúne, juntamente com suas considerações, uma série de relatos de pessoas acerca de como a leitura lhes ajudaram em circunstâncias adversas. Tais experiências foram colhidas através de diálogos com leitores, mediadores de leitura, bibliotecários, psicanalistas, escritores, professores e animadores culturais em diversas partes do mundo, mas majoritariamente na América Latina.

Ao longo dos 8 capítulos, Petit traça um caminho muito interessante que se inicia com a abordagem da receptividade da leitura através da própria oralidade, saltando-se para “o outro lado”, o daquele que recebe a “voz” e passa a criar seu próprio espaço, formas de simbolização, encontrando sua própria narrativa. Após, Petit discorre sobre outras sociabilidades permitidas pela leitura, inclusive como projeto político (capítulo do qual gostei muito!), tece diversos pontos sobre os tipos de leituras que são passíveis de serem  trabalhados (dos romances policiais a Balzac) e como ou por que gêneros diferentes podem ter o mesmo poder reparador. Seguindo-se, disserta sobre a apropriação da escrita alheia, a relação do nascimento do texto com o (re)nascimento do sujeito, e a consequente pluralidade de vozes/realidades surgidas, desembocando na discussão sobre o papel das escolas e bibliotecas como linhas de frente ou não no quesito leitura.

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É um livro muito enriquecedor não apenas para quem efetivamente trabalha como mediador em grupos de leitura, mas para todos que vislumbram na leitura um poder transformador, frisando-se, porém, que o texto de Petit vai além dessa fascinação e nos leva a pensar na capacidade da leitura não a nível meramente pedagógico, mas como um acesso a “novas ordens imaginárias” que permitem a própria (re)construção, a “possibilidade de reinventar-se”, sobretudo em cenários afetados por conflitos armados, desequilíbrio social, ou acentuada deterioração das condições de vida, por exemplo.

É desse livro incrível, aliás, que extraí a frase que, já há algum tempo, faz as vezes de epígrafe do blog: “A literatura é uma oferta de espaço”.

Certamente, A arte de ler proporcionará àquele que tiver interesse em esmiuçá-la atentamente uma recompensa ímpar, encontrando nas palavras alheias, aquelas que um dia tanto quis proferir quando indagado: “por que gosta tanto de ler?”.

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Vou deixar algumas citações abaixo, encerrando minhas breves e insuficientes impressões sobre o livro, pois, afinal, sigo buscando meus próprios dizeres para responder à pergunta acima.

“Mais do que a decodificação dos textos, mais do que a exegese erudita, o essencial da leitura era, ao que parecia, esse trabalho de pensar, de devaneio. Esses momentos em que se levantam os olhos do livro e onde se esboça uma poética discreta, onde surgem associações inesperadas.”

 

“Mas o que a leitura também torna possível é uma narrativa: ler permite iniciar uma atividade de narração e que se estabeleçam vínculos entre os fragmentos de uma história, entre os quais participam de um grupo e, às vezes, entre universos culturais. Ainda mais quando essa leitura não provoca um decalque da experiência, mas uma metáfora.”

 

“Ler tem a ver com a liberdade de ir e vir, com a possibilidade de entrar à vontade em um outro mundo e dele sair. Por meio dele o leitor traça a sua autonomia […].”.

 

“Eu compro livros que nem sempre terei tempo de ler, para não arriscar deixar passar aquele que finalmente, saberá tudo sobre mim. Se eu o deixasse passar, você imagina!”.

 

“É extremamente triste estar sozinho quando se encontra a beleza”.

 

“É por meio de intersubjetividades gratificantes que surge o desejo de ler, e o ato de dividir é inerente à leitura como todas as atividades de sublimação. Mesmo se leio sozinha no meu quarto, quando viro as páginas, quando levanto os olhos do livros, outros estão ali ao meu lado: […] outros leitores do livro, […] os amigos que dele me falaram ou a quem imagino que poderia recomendar. […] Sozinha, sou muito povoada dentro de mim mesma.”

 


Dados Técnicos do Livro: 

Capa comum: 304 páginas

Editora: Editora 34; 2ª Edição – 2010 (Reimpressão – 2017)

ISBN-10: 857326439X – ISBN-13: 978-8573264395

Título original: L’art de lire ou cooment résister à l’adversité

Livro adquirido por empréstimo.

11 comentários

  1. Embora não seja uma leitora assídua, durante a juventude, a leitura de alguns livros provocou algumas reflexões que me ajudaram a decidir/escolher caminhos pelos quais trilhei.

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  2. Os textos sobre a leitura e sua importância sempre despertaram a minha atenção. Esse, com certeza é um daqueles que eu adoraria conhecer. Adorei a resenha. Com certeza é um livro que merece ser lido. ♥♥

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    1. Olá, Kathlen. Seja muito bem-vinda aqui no blog. Agradeço o carinho e já indico que estou te seguindo! Já vi que vou encontrar no seu blog ótimas dicas de série, o que é ótimo pra mim, que estou meio por fora, rs.
      Feliz 2020, e sucesso pra todas nós! Bjs

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