Resenha: Por favor, cuide da mamãe – Kyung-Sook Shin

Quem me segue no Instagram também sabe que eu realmente vou atrás dos livros que outras pessoas postam e pelos quais me interesso.

A leitura do livro de hoje foi exatamente assim que aconteceu. A Dayane do @leiturela havia postado no feed dela já há algum tempo (na época em que nossos IGs ainda nem eram parceiros) sobre esse livro, e eu fiquei muito curiosa com o título dele.

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Infelizmente a editora Intrínseca não o reimprimiu mais, desde 2012, ano de sua primeira edição, mas meu interesse foi tamanho que resolvi comprar no formato e-book mesmo, pois queria ler o livro a qualquer custo. Creio até que foi a primeira vez que li um e-book no celular sem deixá-lo tanto tempo de lado. Eu simplesmente queria lê-lo toda hora que tinha um tempinho.

Foi a primeira vez também que li um romance sul-coreano, e gostei muito. Espero que venham novas publicações de Kyung-Sook Shin aqui no Brasil.


Sinopse:

Park So-nyo, 69 anos, mãe de cinco filhos, desapareceu.

Ao chegar a Seul para visitá-los, saindo de sua aldeia com o marido, com quem é casada há mais de 50 anos, ela é deixada para trás em meio à multidão em uma plataforma da estação de metrô. Como fez a vida toda, ele simplesmente supôs que a esposa o seguia. Essa é a última vez em que Park é vista.

Começa então a procura, liderada pelos filhos e o marido, que se transforma em uma exploração emocional repleta de remorso e marcada pela triste descoberta de uma mulher que ninguém nunca conheceu.

Narrado pelas vozes de uma filha, de um filho, do marido e da própria mulher desaparecida, Por favor, cuide da Mamãe é, ao mesmo tempo, um retrato da Coreia do Sul contemporânea e uma história universal sobre família e amor.


A história já começou de uma forma inusitada para mim. O narrador “dialoga”, mas não com o leitor, e não necessariamente o tempo todo. Creio que me acostumar com o tipo de narração foi a minha maior dificuldade com o livro. E não é nem que seja difícil. Você poderá ir lendo o livro normalmente e irá entender tudo; é só que, por ser algo completamente novo e diferente para mim, fiquei um pouco perdida por demorar às vezes para entender quem estava dando o tom da narrativa.

O livro é dividido em 5 capítulos, cada um com um narrador diferente. No Capítulo Um, “Ninguém sabe”, o narrador dialoga com a filha mais velha (mas a do meio, levando em conta todos os 5 filhos), Chi-hon, que também é uma escritora. Eu ainda não sei dizer bem ao certo se o narrador dialoga ou se a própria pessoa, como narrador, faz referência a si mesma em terceira pessoa:

Ninguém consegue decidir qual foto de Mamãe você deve usar. Todos concordam que deve ser a mais recente, mas ninguém tem uma foto recente dela. Você lembra que em determinado momento Mamãe começou a detestar que a fotografassem. Fugia até dos retratos de família.

[…]

Quando você escreve Por favor, ajudem-nos a encontrar a nossa mãe, ele [seu irmão mais novo] acha que é simples demais. Quando sugere Nossa mãe está desaparecida, ele diz que “mãe” é formal demais, e pede que você use “mamãe”. Quando você substitui por Nossa mamãe está desaparecida, ele decide que é infantil demais. Quando você propõe Por favor, contate-nos se vir essa pessoa, ele esbraveja.

– Que tipo de escritora é você?

Prefiro acreditar que dialoga, por conta do Capítulo 4, “Uma outra mulher”, em que o narrador é a própria mãe Park dialogando ora com os filhos, ora com um amigo, ora com a cunhada, etc… mas de um outro plano espiritual, ou sob outra forma que não a humana:

Minha filha querida, você dá atenção aos três filhos ao mesmo tempo. Seu corpo está treinado para as necessidades dos filhos.

[…]

Você vira o rosto para olhar pela janela. Então me vê sentada junto ao pé de marmelo. Seus olhos encontram os meus. Você murmura:

– Nunca vi esse pássaro antes.

Seus filhos me olham também.

– Talvez tenha relação com o pássaro que estava morto na frente do portão ontem, Mamãe!

[…]

Enquanto ouve a conversa dos filhos, você vai até a janela para ter uma visão melhor de mim. Seus filhos a seguem até a janela e me olham com atenção. Ei, parem de olhar para mim, crianças. Sinto muito. Quando vocês nasceram, fiquei mais preocupada com a mãe de vocês três.

No Capítulo dois, “Sinto muito, Hyong-chol”, temos algo um pouco mais convencional: narrador em terceira pessoa, e somos apresentado ao filho mais velho, Hyong-chol, também o mais querido por todos, aparentemente. O Capítulo Três, “Já cheguei”, nos dá a conhecer o marido de Park, e foi para mim um dos capítulos mais desesperador, porque não tem como não ficar indignado com a forma como ele sempre tratou sua mulher. Ainda que tenham se casado da forma antiga (casamento arranjado), vemos muito bem traçado não apenas o machismo, mas a insensibilidade de seu esposo, que pelo menos reconhece, após o desaparecimento de Park, como era feliz e sortudo. Finalmente, no Capítulo Cinco, “Epílogo: Rosário de pau-rosa”, volta-se à narrativa com Chi-hon, tal qual no Capítulo Um, fechando lindamente o livro, mas ainda nos deixando assombrados e com muitas dúvidas: será que estamos todos cuidando bem de nossas mamães?

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Em todos os capítulos, independente de sobre quem recaia o ponto de vista ou a quem somos apresentados, na verdade, vamos conhecendo mais e mais quem era Park So-nyo. Ela não era apenas mãe e esposa, claro. Era muito mais. Mas seus filhos e marido só reconhecem esse fato depois que a perdem e começam a refletir sobre quem ela realmente era e acabam percebendo que não conheciam sua própria mãe.

No livro, não se vê nenhuma intenção de “endeusar” a mãe, mas de mostrá-la em sua individualidade: imperfeita, sim, com medos, com suas dores e problemas pessoais, com segredos, além também do orgulho dos filhos, do amor, da preocupação por eles, mas também, com uma vida independente e desconhecida de seus familiares, e aliás, muito solitária.

Foi uma leitura ao mesmo tempo bela e sofrida. Não acredito, de verdade, que alguém termine esse livro convencido de que é um filho exemplar.

Ao longo dessa leitura, foi inevitável pensar em minha mãe, em minha avó (baachan, em japonês) e até em outras mães. Mas fui além. Pensei em todos de minha família que amo. Obrigada a todos vocês, por me fazerem sentir que tenho uma família unida e que se ama.


Conscientização da violência contra a pessoa idosa:

No mês de junho, passado, mais especificamente dia 15, tivemos o Dia Mundial da Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. Faço o convite para você, aproveitando esse marco, a ler esse livro. Ele me parece muito propício para se abordar o tema, ainda que não haja na história propriamente nenhuma agressão física contra idoso.

Há muitos tipos de violência. Ela pode também ser verbal ou psicológica. Mas o ponto-chave desse livro ainda me parece recair sobre a negligência, a indiferença, o egoísmo, e o pouco caso, ainda que de formas sutis. Não apenas em relação aos idosos, que, para chocar mais, vem a ser nossos próprios pais, mas também em relação a nossos familiares, mesmo os que achamos mais próximos.

A história começa de uma forma absurda. Os irmãos estão reunidos para fazer um panfleto para procurar a mãe desaparecida. Mas como ela desapareceu?

Ela simplesmente não entrou junto com o pai no metrô, e depois nunca mais foi vista.

Para piorar, no decorrer do livro, percebemos que os filhos não sabem praticamente nada sobre sua mãe, do que ela gostava de verdade, se ela tinha sonhos ou vontades próprias, por exemplo, e vamos assistindo tristemente à silenciosa aceitação dela à sua anulação  individual, relegada como simples esposa e mãe, nada mais.

Se isso não é uma forma de também nos fazer pensar sobre o cuidado com os idosos, eu não sei o que mais é.


Shin Kyung-Sook é uma das autoras sul-coreanas mais lidas na Coreia do Sul. Ela já recebeu diversos prêmios, inclusive internacionais, como o Prix de l’Inaperçu. É também professora visitante da Columbia University, em Nova York, e Por Favor, cuide da mamãe foi seu primeiro livro publicado nos EUA.

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A obra foi uma promessa de Shin à sua própria mãe. Quando tinha 16 anos, um dia em que filha e mãe viajavam de trem, Shin olhou para sua mãe e viu solidão em seus olhos, e a promessa nascera. Shin diz que, a intenção do livro é que o leitor se pergunte, durante a sua leitura: “o que será que minha mamãe está fazendo agora?”.

Sei que não é muito, mas escrevi a resenha do livro para minha mãe principalmente, e agora estou à caça dele (em formato físico) para que ela possa lê-lo também.


Informações adicionais sobre o livro:

Formato: eBook Kindle

Tamanho do arquivo: 816 KB

Número de páginas: 202 páginas

Editora: Intrínseca (13 de novembro de 2012)

Vendido por: Amazon Servicos de Varejo do Brasil Ltda

 

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8 comentários

  1. Adorei o post ❤️😍 Todos somos negligentes e egoistas!!! Uns menos outros mais. Sempre gostei de conhecer as estórias de meus pais e parentes! Ajudou a entendê-los melhor. Ainda assim, há muito para conhecer e entender. O saldo que ficou , o que motivou … Admiro muito minha mãe. Depois que me tornei mãe, passei a entender, compreender e admira- la mais!

    Curtido por 1 pessoa

  2. Muito boa a resenha.
    Fiquei curioso quanto ao livro, mas como disse, me sentiria um péssimo filho, e fui mesmo. Típico comportamento da mulher oriental submissa e foi assim também com minha mãe e se perdia também, só não desapareceu.

    Curtido por 1 pessoa

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